Por Jefferson Milton Marinho*
Políticos
deveriam ser banqueiros, pois geralmente são avessos ao risco. Ambos preferem
maximizar o retorno com o menor nível de risco. A história mostra que
banqueiros são mais displicentes, aceitando níveis de risco elevadíssimos
quando o retorno é muito alto. Parte dessa predisposição ao risco se refere ao
fato de administrarem capitais de terceiros. O político administra a própria
carreira eleitoral, ou seja, capital próprio. Como falhas no sistema bancário produzem altos custos
sociais, a regulação busca mitigá-las, coibindo práticas oportunísticas.
Políticos protegem os espaços conquistados, preferem manter as regras que os
consagraram à mudança repentina, e avançam no terreno do adversário mais como estratégia
de autodefesa que propriamente o ataque. A conclusão é que políticos são menos
propensos aos riscos que os banqueiros. O desenho ideal pode sugerir que
devessem trocar de posição.
No
mundo político o xadrez é complexo, com sutilezas e artimanhas, conversas ao pé
do ouvido, cochichos, ameaças e recuos. O imponderável pode mudar o tabuleiro
político, redefinindo as cartas do jogo e o planejamento tático. Sempre haverá
espaço para o lance genial e inesperado do ator político e a versão tem maior valia
que os fatos, distanciando-se ou não da realidade. É nesse contexto que deve
ser analisado o casamento de Marina Silva, da Rede de Sustentabilidade, e
Eduardo Campos, do PSB.
Uma
análise preliminar indica que Campos sobe de patamar na disputa eleitoral,
ganhando musculatura e densidade política, enquanto Marina buscou uma
estratégia de redução de danos, cujos os resultados para ela são incertos. A
condição de coadjuvante não é animadora para a candidata que está em segundo
lugar nas pesquisas. O tucano Aécio é o grande perdedor desse novo desenho
eleitoral, pois assiste de camorote a tacada do quarto colocado nas pesquisas
atraindo a principal noiva, Marina Silva, para o ninho do socialismo liberal.
Dilma enfrenta o dilema de assistir à formação de uma chapa com capacidade de
agregação, acumulando forças e apoio para a contenda. Mas, analisando por outra
perspectiva, Dilma disputará as eleições num cenário com apenas dois candidatos
adversários, quando poderia estar disputando contra três se a escolha de Marina
Silva fosse outra. Isso potencialmente eleva suas chances de liquidar a fatura
no primeiro turno.
A
análise acima é simplista, pois é impossível nesse instante captar todos os
efeitos da aliança política entre dois atores que saíram das costelas do
lulismo, ameaçando concretizar o pior sonho da oposição tradicional brasileira:
a profecia de André Singer quanto ao poder se transferir para uma nova oposição
saída do lulismo. O novo cenário envolve maiores riscos para todos os
principais atores, de todas as matizes e cores partidárias, inclusive para
Eduardo Campos que, no primeiro momento, aparece como vitorioso. Em
contrapartida, as oportunidades cresceram para a oposição e situação na medida
do maior risco.
Nas
eleições de 2014, Dilma poderá ser confrontada da esquerda à direita política, considerando
os adversários, sempre com algum grau de eficiência e densidade. O risco de
Dilma é perder o apoio no campo mais à esquerda com a ascensão da dupla
Campos-Marina, desiludidos com os rumos do governo, seja pela caótica relação
congressual ou pelos anseios de avanços mais velozes no campo do social. O
centro político, menos homogêneo e de maior densidade, está muito instável e
gelatinoso, causando insegurança para os candidatos que desejam conquistá-lo. No
campo da direita do espectro político, Aécio deverá ocupar parte maior do espaço,
mas a candidatura Campos-Marina disputará nacos de audiência.
Aécio
Neves está com grande dificuldade de consolidar sua candidatura. Parte dos
problemas surge porque seu banco de reservas (José Serra) funciona como freio, na expectativa de ocupar o lugar principal. Mesmo após consolidar o apoio
interno à sua candidatura, a mudança de cenário eleitoral teima em recolocar o
nome de Serra na disputa. O risco dele é Campos deixar de ser mero coadjuvante,
crescendo a ponto de deslocá-lo de um eventual segundo turno. Ademais, as
dificuldades que seu grupo político tem para a continuidade no seu colégio eleitoral,
Minas Gerais, é outro fator que pesa contra sua candidatura presidencial. Se o
pior cenário prevalecer, o PSDB pode perder o controle do governo de Minas
Gerais e ser deslocado da segunda força política na eleição nacional. Isso
seria mortal para as pretensões futuras do presidenciável tucano.
Marina
Silva é noiva cobiçada que casou com o herdeiro político do clã Arraes, Eduardo
Campos. É um casamento de conveniência, pragmático. A barbeiragem de não
conseguir formar seu partido, a Rede de Sustentabilidade, pode lhe custar caro.
A estratégia adotada é de redução de danos. Dentre as opções que estavam
disponíveis não há clareza se era a melhor. Entrevistas recentes mostraram que
pesou na sua decisão o desejo de derrotar o petismo, rompendo o cordão
umbilical que unia sua história à do PT. Com sua decisão de filiar e emprestar
seu capital político ao PSB, partido de alianças heterodoxas e forte tendência
governista que reproduz o estilo do peemedebismo, Marina coloca em risco o
sonho de construção da REDE afastada das velhas práticas políticas, e deve perder apoio entre seus seguidores mais programáticos. Sob o risco de virar
pesadelo, o sonho dos marinistas não acabou, mas pode criar uma cicatriz que
explicite precocemente as diferenças que circundam em tornam deste projeto
político.
Nunca
ficou tão claro que não se faz omelete sem quebrar alguns ovos. O esforço de
Marina para explicar a aliança não deve ser suficiente para manter “sonháticos”
unidos, principalmente pelas contradições que o projeto do socialismo liberal
do PSB representa. É assustador que Marina Silva se filie, mesmo que
temporariamente, a um partido que, majoritariamente, votaram a favor do novo
texto do Código Florestal execrado pela ex-senadora sob a alegação de que
provocaria mais desmatamento. O DNA do PSB é o desenvolvimentismo, ainda que
sob a batuta liberal, o que está na contramão da agenda ambiental marinista.
Campos,
neto do grande líder popular nordestino Miguel Arraes, engrandece com o apoio
de Marina, como observou Lula. O momento político é dele, é sua hora de
brilhar, de exercer com sabedoria os benefícios da sorte, buscando ampliá-los.
O político precisa de sorte, mas também de virtude, já lembrou o italiano
Maquiavel. Nesta sua trajetória, não lhe faltou virtudes ou, no jargão menos
favorável, esperteza política. Os passos que separam o momento atual das
eleições de outubro do próximo ano exigirão provavelmente mais virtudes, pois
sua cota de sorte pode estar com prazo vencido.
O
primeiro desafio de Campos é manter coesa a aliança, agregando apoios, sem
provocar muitas defecções. Não será tarefa fácil, são visíveis os sinais de
descontentamento de parceiros políticos à esquerda e à direita, tanto dos
apoiadores de Marina Silva quanto de Eduardo Campos. O segundo é manter o
partido em crescimento, elevando o número de governadores e, principalmente, de
deputados e senadores. Outra tarefa que pode se mostrar difícil, uma vez que o
segredo do crescimento do PSB é sua flexibilidade, a possibilidade de apoiar e
ser apoiado por qualquer coloração partidária. A entrada de Marina Silva no
condomínio socialista potencialmente reduz o arco de alianças, devendo
fragilizar os palanques estaduais, pois sofrerá resistências das principais
forças políticas (PT e PSDB, por exemplo).
Assim,
o risco é o PSB sair das eleições de 2014 com peso menor na cena política do
que outrora, principalmente se a estrela de Eduardo Campos não brilhar ou não
for capaz de catalizar aumento de bancadas. Em 2010, Marina Silva saiu das
eleições no terceiro lugar, com 20 milhões de votos, porém, o PV não
experimentou aumento na sua bancada federal. Ademais, em Pernambuco surgem
sinais de fadiga material, e mesmo que Campos possa encontrar um candidato
favorito para substituí-lo, a aliança PT e PTB ameaça seu quintal político.
São
dúvidas que o calendário eleitoral impõe com o fim das filiações para a disputa
eleitoral. No fim de março, o calendário eleitoral traz novo cenário com a
descompatibilização de cargos públicos (ministros, secretários estaduais,
governadores no segundo mandato, etc.) para participar das eleições. Certezas
são poucas ou quase inexistentes, ficando lacunas que serão respondidas somente
na eleição. Qualquer prognóstico é apressado, a conjuntura é alterada pelos
movimentos dos atores políticos, e, principalmente, por fatores da realidade
objetiva que se impõe, e são muitas vezes imprevisíveis. As nuvens da política tem se
deslocado mais velozmente, surpreendendo analistas e operadores políticos. Cada
movimento das nuvens traz novos riscos e oportunidades, ganhadores e
perdedores.