A derrota do governo na batalha da CPMF tem diversas explicações, mas elas só podem ser compreendidas em um contexto em que falhas na articulação política se depara com um cenário de disputa de poder no campo da oposição. Uma disputa capaz de unir a oposição. Dizer que o governo falhou é trivial. Um governo bem avaliado (e esse é o caso do atual,
clique aqui para conferir a pesquisa) não perde uma votação dessa importância por que a oposição política resolveu radicalizar. Ela foi eleita para fazer o papel de oposição, não é sua obrigação e nem faz parte do seu DNA colaborar com o governo. E o governo foi eleito para fazer maiorias, sejam elas programáticas ou fisiológicas. Não se pode exigir da oposição qualquer trégua para o governo, pois o sucesso dele representa empecilho para a sua conquista do poder. Também não se pode exigir do governo coerência política na formação de alianças, pois governos têm interesses, coincidentes ou não com os da maioria do eleitorado. Um governo quando se afasta muito do interesse da maioria do eleitorado, se enfraquece. O mesmo vale para a oposição. Sempre existirá espaço para a negociação política entre governo e oposição. Os interesses de ambos podem entrar na mesma rota. O que o governo não pode é depender dela é um tema dessa importância para o governo.
Evidentemente que se o governo tivesse fechado um acordo com o PSDB, viabilizando a aprovação da CPMF, esse texto nem estaria sendo escrito. Buscar um acordo com o PSDB não foi erro. Afinal, governo e oposição podem conversar, buscarem pontos de confluência política. Isso faz parte da democracia. Apostar as principais fichas nesse acordo é que um erro. A vulnerabilidade da aposta no PSDB não pode ser atribuída apenas a seus problemas internos, em função da afirmação de novas lideranças. É que acordos entre governo e oposição são viáveis em poucas circunstâncias. A primeira é quando a matéria provoca um desgaste na base de apoio do governo, mas o mesmo não acontece com a oposição, que pode inclusive ampliá-la. Esse foi o caso da reforma da previdência em 2003. Uma outra possibilidade é quando a matéria em tramitação no Congresso não pode ser capitalizada politicamente com facilidade. É o caso de haver ganhadores e perdedores na base de apoio do governo e da oposição. Um bom exemplo disso é a reforma tributária. Embora existem diferenças em sua concepção nos partidos políticos, não é isso que impede que ela seja aprovada. O que trava a sua aprovação são as diferenças regionais. E, em menor escala, as diferenças entre os diferentes setores da atividade econômica. É importante ter em mente que toda vez que for conveniente para a oposição uma maior radicalização, ela assim o fará. E isso vale para qualquer partido político. E não apenas para o PT como apregoa parte de nossa imprensa. É a disputa pelo poder. É esse o objetivo de qualquer partido político.
Dizer que o PSDB ganharia com a aprovação da CPMF porque tem a expectativa de poder não é de todo verdadeiro. Faria sentido num governo fraco, porém não é esse o caso. Poder-se-ia dizer que o PSDB tem os votos dos eleitores do Estado mínimo e menos impostos. Faltaria ao partido estabelecer conexões com a outra parte do eleitorado, a maioria, que querem mais educação, saúde, bolsa família - mais Estado. Essa parte majoritariamente aprova o governo. Contra a CPMF, o PSDB não acresce nada à sua base, e ainda perde a oportunidade de estabelecer essa conexão. É uma tese, mas discutível. Que o PSDB precisa dialogar com esse eleitorado é fato, mas não significa colaborar para o sucesso do governo. Eleição tem sempre alto grau de incerteza. E quanto pior a avaliação do governo, melhor é a capacidade de a oposição retomar o poder, não o contrário. Contar com a vitória antecipada e a incapacidade de um governo bem avaliado formar uma candidatura competitiva não é recomendável. O melhor cenário para a oposição é enfraquecer o governo.
Sendo um governo que tem seu apoio no eleitorado que quer mais Estado (repita-se, a maioria), a aprovação da CPMF reforçaria seu cacife político. O governo poderia manter intacto o PAC, e sobraria dinheiro para injetar recursos na saúde, educação, segurança pública, bolsa família, etc. E ainda poderia continuar com as desonerações da folha de pagamento e de alguns setores produtivos. São questões que reforçam a sua base de apoio, não a da oposição. Alguém poderia dizer que o PSDB teria elevado os recursos para a saúde. Isso é irrelevante para a população em geral, principalmente para os usuários da saúde pública. O que importa é se a saúde pública está ou não melhor. Com uma boa expansão dos recursos, mesmo havendo desperdícios, o cenário para a saúde é melhor. É isso que importa. É o governo que seria aprovado. Somente parte da classe média que não usa o sistema público de saúde (e também não vota no governo) que daria ao PSDB os louros da vitória. Mas qual seria o ganho político do PSDB.
A tese de que a CPMF só seria aprovada com os votos da oposição é bastante parcial. Era possível vencer a batalha sem votos do PSDB ou DEM. Porém, em outra lógica de articulação política. Os esforços deveriam concentrar-se na base, não na oposição. Há um problema de articulação política no governo, que privilegia a negociação individual com os senadores em detrimento da institucional com os partidos ou lideranças. A política nos ensina que uma não exclui a outra, mas deve-se atentar para seus resultados. O Ministro Mares Guia abandonou completamente a negociação institucional. Na Câmara, em que há uma maioria folgada e alguns articuladores políticos, isso nunca foi um obstáculo. Porém, o Senado Federal é bem mais complexo, a maioria governista é frágil, e faltam articuladores políticos confiáveis. Ao se observar o painel da votação da CPMF, vê-se com clareza que a falha foi de articulação com a base (e não com a oposição). O governo cedeu praticamente tudo para o PSDB, porém não tinha como oferecê-lo integralmente a vitória política.
O governo converteu votos favoráveis à prorrogação da CPMF de ferrenhos críticos. É o caso da bancada do PDT no Senado. Dos quatro senadores, somente Patrícia Saboya segue a cartilha do governo. E um deles, Senador Osmar Dias, é praticamente de oposição. Trata-se de um partido governista. Já o PR tem os mesmos quatro senadores e um histórico de fidelidade ao governo bem maior que a do PDT. Porém, dois senadores do PR votaram contra a CPMF. Evidentemente que os senadores César Borges e Expedito Júnior apresentaram justificativas para votarem contra, mas elas devem ser vistas com muitas reservas. O importante aqui é tirar as lições que possam ser aprendidas com as negociações nesses dois partidos.
No PDT, talvez por que já esperasse muita resistência, o governo negociou com a bancada por intermédio do partido uma maneira de mudarem de posição em prol da CPMF. O compromisso de tirar da DRU os recursos da educação, o que elevaria em 25% os recursos da União, foi suficiente para fornecer uma justificativa política para os Senadores Jefferson Pérez e Cristóvão Buarque engrossarem o bloco de apoio com a Senadora Patrícia Saboya. A bancada fechou em favor da CPMF, o que obrigou o Senador Osmar Dias a negociar. O governo precisou apenas oferecer-lhe uma explicação plausível para a mudança do voto, o compromisso de enviar uma reforma tributária para o Congresso.
No PR, que tradicionalmente vota com o governo, este não teve o mesmo carinho com a bancada. Não deveria aceitar como perdidos os votos dos senadores dissidentes. Até porque, eles próprios se apregoam governistas. O PR é um partido da base e possui cargos dentro do governo. Dever-se-ia ter procurado a intermediação do partido com os senadores para dar-lhes uma justificativa política para a mudarem de posição. O fato é que o governo não poderia de jeito nenhum aceitar a dissidência no PR, e pronto. Não venha justificar o voto do Senador César Borges por suposto medo do DEM pedir seu mandato de volta. O DEM só não entrará com recurso pedindo o seu mandato se souber que não ganhará. Qualquer chance real de reaver o mandato, o partido não vacilará nenhum minuto.
A mesma articulação política deveria ser realizada com o PTB, em que o senador Romeu Tuma votou contra o governo. A justificativa de que o senador votou contra por convicção não é palatável politicamente. E agora os políticos passaram a ter convicções. Políticos têm interesses. A mudança de voto do senador Pedro Simon é bom exemplo. Faltou conversa e uma boa dose de expertise política.
Ao se observar o painel, vê-se que faltaram somente três votos para a aprovação da CPMF, pois o Presidente do Senado, que era a favor, conforme o Regimento Interno, votaria na situação em que a decisão dependeria apenas do seu voto. A articulação com esses partidos da base aliada seria muito mais fácil que com a oposição. Não é possível entender porque o governo ignorou esses votos e centrou suas apostas na oposição. A margem de segurança do governo deveria ser buscada com uma melhor negociação com o PMDB. Os três senadores do PMDB que votaram contra a CPMF são de Estados em que os Executivos estaduais são adversários políticos. Esse é o principal motivo para a resistência. O governo deveria ter realizado uma negociação mais inteligente com o PMDB, envolvendo o presidente do partido, Michel Temer. Assim, o governo poderia ter conseguido que os senadores do PMDB fechassem questão a favor da CPMF, constrangendo os dissidentes com possível processo no partido. É uma negociação mais complicada, mas possível. Ser governo é isso, enfrentar os dissabores do poder, não só as suas benesses. Seria uma tarefa para o Michel Temer e os senadores aliados, que são a maioria.
O importante é observar como faltou a racionalidade política nessa votação. Um claro exemplo é o comportamento radical do PSOL. Como um partido com uma base social que se apóia na defesa de mais Estado, como poderia radicalizar-se tanto numa questão que interessa aos defensores do Estado mínimo. O governo ao propor um acréscimo significativo nas verbas para a saúde deveria ser capaz de fazerem mudar de posição. Isso porque a base social do PSOL tem forte viés nos dissidentes petistas antes ligados à tendência Democracia Socialista, bastante forte nos movimentos de trabalhadores (médicos, enfermeiros) defensores da saúde pública. Falhou o governo que não buscou um entendimento político com o PSOL em busca do seu único voto no Senado, atrelando a CPMF à elevação de verbas na saúde. Afinal, só faltaram três votos. Não ganhou nada o PSOL ao empunhar a bandeira do Estado mínimo, justamente aquilo que sua base social mais rejeita.
Em futuras votações importantes, espero que o governo tenha aprendido a lição. Não fique esperando que a oposição o salve. Ela pode até salvá-lo, mas não é esse seu papel. E se precisar da oposição para se salvar, já ficou demonstrado que o preço é bem elevado. A articulação política deve mudar, tornando menos individual, sendo conduzida mais com as verdadeiras lideranças nas respectivas casas legislativas. E também com os partidos. Já se percebe mudança para melhor na articulação política com o Ministro José Múcio. A negociação individual traz cada senador ou deputado para o balcão. E isso não é desejável. Nessa hora, pergunta-se por onde anda o tal conselho político. Alguns arranjos só existem para as fotos.
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