"Reproduzo um bom artigo do deputado federal Antônio Palocci, ex-ministro da Fazenda. O artigo foi publicado originalmente no O Globo, de 20/01/2008."
Sob o ponto de vista da economia mundial, 2008 nasceu nervoso. Sobraram poucos analistas que descartam uma recessão na economia americana, que representa nada menos que a quarta parte da economia global. O Brasil está hoje muito mais blindado para enfrentar turbulências, mas a crise de crédito pode ser prolongada.
A economia brasileira atravessou 2007 com forte crescimento, com a geração recorde de 1,6 milhão de empregos formais e aumento do poder de compra das famílias. Com desempenho extraordinário do mercado de capitais e do sistema de financiamento. Com crescentes taxas de investimento, inclusive estrangeiro. A inflação volta a mostrar alguns dentes, é verdade, mas ainda sem firmar uma perspectiva claramente negativa. Tudo indica que o país está consolidando um período longo de crescimento sustentável. Mas há um clima de mal-estar que vem da política, em que governo e oposição não conseguem um entendimento mínimo. E isso é particularmente importante neste início de ano. Com a perda dos recursos da CPMF, o governo articula um conjunto de medidas para garantir o equilíbrio orçamentário, fundamental para a estabilidade econômica, dado nosso nível de endividamento que, embora cadente, ainda é bastante elevado.
Governos e oposições podem tocar sua vida sem diálogo. A democracia comporta esse cenário e ele não aponta para o fim do mundo. Mas um país como o Brasil, que começa a consolidar sua estabilidade econômica e colher os benefícios sociais dela, precisa, ainda, de muito esforço - leia-se reformas - para se tornar uma nação rica e socialmente justa.
As reformas microeconômicas - cadastro positivo, normas contábeis e concorrência, entre outros - tiveram avanços importantes no ano que passou. Mas as reformas que envolvem emendas constitucionais não avançam sem algum grau de entendimento suprapartidário.
Que não se culpe o governo de hoje, tampouco a oposição. Em papéis trocados, há poucos anos, já funcionavam mais ou menos assim. O fato é que a maturidade econômica conquistada nos últimos anos, fruto do esforço de seguidos governos, não foi acompanhada de um avanço político capaz de produzir um diálogo suprapartidário e uma pauta comum de interesse nacional.
Uma pauta básica de consensos não é incompatível com a existência de governos e oposições. Não dispensa os governos de construírem maiorias políticas. Apenas se delimita o campo de conflito programático, que é um fator de riqueza na democracia, estabelecendo-se pontos em comum de uma agenda de reformas de interesse do país. O fato de estarmos em ano eleitoral não deveria ser obstáculo a esse diálogo. Ao contrário, garantiria um debate eleitoral mais elevado.
Na recente edição das medidas destinadas a garantir o equilíbrio orçamentário, o diálogo novamente se rompeu. O governo anuncia o mais expressivo corte de gastos dos últimos anos e tributos que recompõem a quarta parte dos recursos da CPMF. A oposição acusa o governo de quebrar compromissos e levanta barricadas. O país, confuso com o ambiente político conflagrado, parece querer algo mais profundo, como uma reforma tributária que simplifique os tributos, valorize a produção e o investimento e estimule as pessoas a trabalhar e empreender, descomplicando o ambiente econômico. Mas como fazer uma reforma tributária ou qualquer outra reforma constitucional num ambiente político tão hostil? É simplesmente impossível.
Nossa vida política pode continuar sendo conflituosa. O Brasil não vai deixar de caminhar e avançar. Mas, num ano que começa tão desafiador, deveríamos pensar se o diálogo franco e uma agenda mínima comum não seriam um bom caminho para que chegássemos mais rápido aos bons níveis de educação, saúde, segurança e emprego que todos queremos. Podemos continuar confiando que, afinal, Deus é brasileiro, e vai sempre nos ajudar. Mas seria bom que juntássemos mais formigas, sem impedir que as cigarras continuem a cantarolar no bosque.
Antônio Palocci é deputado federal (PT-SP) e foi ministro da Fazenda.
A economia brasileira atravessou 2007 com forte crescimento, com a geração recorde de 1,6 milhão de empregos formais e aumento do poder de compra das famílias. Com desempenho extraordinário do mercado de capitais e do sistema de financiamento. Com crescentes taxas de investimento, inclusive estrangeiro. A inflação volta a mostrar alguns dentes, é verdade, mas ainda sem firmar uma perspectiva claramente negativa. Tudo indica que o país está consolidando um período longo de crescimento sustentável. Mas há um clima de mal-estar que vem da política, em que governo e oposição não conseguem um entendimento mínimo. E isso é particularmente importante neste início de ano. Com a perda dos recursos da CPMF, o governo articula um conjunto de medidas para garantir o equilíbrio orçamentário, fundamental para a estabilidade econômica, dado nosso nível de endividamento que, embora cadente, ainda é bastante elevado.
Governos e oposições podem tocar sua vida sem diálogo. A democracia comporta esse cenário e ele não aponta para o fim do mundo. Mas um país como o Brasil, que começa a consolidar sua estabilidade econômica e colher os benefícios sociais dela, precisa, ainda, de muito esforço - leia-se reformas - para se tornar uma nação rica e socialmente justa.
As reformas microeconômicas - cadastro positivo, normas contábeis e concorrência, entre outros - tiveram avanços importantes no ano que passou. Mas as reformas que envolvem emendas constitucionais não avançam sem algum grau de entendimento suprapartidário.
Que não se culpe o governo de hoje, tampouco a oposição. Em papéis trocados, há poucos anos, já funcionavam mais ou menos assim. O fato é que a maturidade econômica conquistada nos últimos anos, fruto do esforço de seguidos governos, não foi acompanhada de um avanço político capaz de produzir um diálogo suprapartidário e uma pauta comum de interesse nacional.
Uma pauta básica de consensos não é incompatível com a existência de governos e oposições. Não dispensa os governos de construírem maiorias políticas. Apenas se delimita o campo de conflito programático, que é um fator de riqueza na democracia, estabelecendo-se pontos em comum de uma agenda de reformas de interesse do país. O fato de estarmos em ano eleitoral não deveria ser obstáculo a esse diálogo. Ao contrário, garantiria um debate eleitoral mais elevado.
Na recente edição das medidas destinadas a garantir o equilíbrio orçamentário, o diálogo novamente se rompeu. O governo anuncia o mais expressivo corte de gastos dos últimos anos e tributos que recompõem a quarta parte dos recursos da CPMF. A oposição acusa o governo de quebrar compromissos e levanta barricadas. O país, confuso com o ambiente político conflagrado, parece querer algo mais profundo, como uma reforma tributária que simplifique os tributos, valorize a produção e o investimento e estimule as pessoas a trabalhar e empreender, descomplicando o ambiente econômico. Mas como fazer uma reforma tributária ou qualquer outra reforma constitucional num ambiente político tão hostil? É simplesmente impossível.
Nossa vida política pode continuar sendo conflituosa. O Brasil não vai deixar de caminhar e avançar. Mas, num ano que começa tão desafiador, deveríamos pensar se o diálogo franco e uma agenda mínima comum não seriam um bom caminho para que chegássemos mais rápido aos bons níveis de educação, saúde, segurança e emprego que todos queremos. Podemos continuar confiando que, afinal, Deus é brasileiro, e vai sempre nos ajudar. Mas seria bom que juntássemos mais formigas, sem impedir que as cigarras continuem a cantarolar no bosque.
Antônio Palocci é deputado federal (PT-SP) e foi ministro da Fazenda.
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