sexta-feira, setembro 17, 2010

Os jornalistas tucanos

Marcos Coimbra, da Carta Capital

Quando, no futuro, for escrita a crônica das eleições de 2010, procurando entender o desfecho que hoje parece mais provável, um capítulo terá de ser dedicado ao papel que nelas tiveram os jornalistas tucanos.

Foram muitas as causas que concorreram para provocar o resultado destas eleições. Algumas são internas aos partidos oposicionistas, suas lideranças, seu estilo de fazer política. É bem possível que se saíssem melhor se tivessem se renovado, mudado de comportamento. Se tivessem permitido que novos quadros assumissem o lugar dos antigos.

Por motivos difíceis de entender, as oposições aceitaram que sua velha elite determinasse o caminho que seguiriam na sucessão de Lula. Ao fazê-lo, concordaram em continuar com a cara que tinham em 2002, mostrando-se ao País como algo que permanecera no mesmo lugar, enquanto tudo mudara. A sociedade era outra, a economia tinha ficado diferente, o mundo estava modificado. Lula e o PT haviam se transformado. Só o que se mantinha intocada era a oposição brasileira: as mesmas pessoas, o mesmo discurso, o mesmo ar perplexo de quem não entende por que não está no poder.

Em nenhum momento isso ficou tão claro quanto na opção de conceder a José Serra uma espécie de direito natural à candidatura presidencial (e todo o tempo do mundo para que confirmasse se a desejava). Depois, para que resolvesse quando começaria a fazer campanha. Não se discutiu o que era melhor para os partidos, seus militantes, as pessoas que concordam com eles na sociedade. Deram-lhe um cheque em branco e deixaram a decisão em suas mãos, tornando-a uma questão de foro íntimo: ser ou não ser (candidato)?

Mas, por mais que as oposições tivessem sido capazes de se renovar, por mais que houvessem conseguido se libertar de lideranças ultrapassadas, a principal causa do resultado que devemos ter é externa. Seu adversário se mostrou tão superior que lhes deu um passeio.

Olhando-a da perspectiva de hoje, a habilidade de Lula na montagem do quadro eleitoral de 2010 só pode ser admirada. Fez tudo certo de seu lado e conseguiu antecipar com competência o que seus oponentes fariam. Ele se parece com um personagem de histórias infantis: construiu uma armadilha e conduziu os ingênuos carneirinhos (que continuavam a se achar muito espertos) a cair nela.

Se tivesse feito, nos últimos anos, um governo apenas sofrível, sua destreza já seria suficiente para colocá-lo em vantagem. Com o respaldo de um governo quase unanimemente aprovado, com indicadores de performance muito superiores aos de seus antecessores, a chance de que fizesse sua sucessora sempre foi altíssima, ainda que as oposições viessem com o que tinham de melhor.

Entre os erros que elas cometeram e os acertos de Lula, muito se explica do que vamos ter em 3 de outubro. Mas há uma parte da explicação que merece destaque: o quanto os jornalistas tucanos contribuíram para que isso ocorresse.

Foram eles que mais estimularam a noção de que Serra era o verdadeiro nome das oposições para disputar com Dilma Rousseff. Não apenas os jornalistas profissionais, mas também os intelectuais que os jornais recrutam para dar mais “amplitude” às suas análises e cobertura.

Não há ninguém tão dependente da opinião do jornalista tucano quanto o político tucano. Parece que acorda de manhã ansioso para saber o que colunistas e comentaristas tucanos (ou que, simplesmente, não gostam de Lula e do governo) escreveram. Sabe-se lá o motivo, os tucanos da política acham que os tucanos da imprensa são ótimos analistas. São, provavelmente, os únicos que acham isso.

Enquanto os bons políticos tucanos (especialmente os mais jovens) viam com clareza o abismo se abrir à sua frente, essa turma empurrava as oposições ladeira abaixo. Do alto de sua incapacidade de entender o eleitor, ela supunha que Serra estava fadado à vitória.

Quem acompanhou a cobertura que a “grande imprensa” fez destas eleições viu, do fim de 2009 até agora, uma sucessão de análises erradas, hipóteses furadas, teses sem pé nem cabeça. Todas inventadas para justificar o “favoritismo” de Serra, que só existia no desejo de quem as elaborava.

Se não fossem tão ineptas, essas pessoas poderiam, talvez, ter impulsionado as oposições na direção de projetos menos equivocados. Se não fossem tão arrogantes, teriam, quem sabe, poupado seus amigos políticos do fracasso quase inevitável que os espera.

Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi. Também é colunista do Correio Braziliense

quinta-feira, setembro 16, 2010

Um modelo partidário trazido do atraso

Maria Inês Nassif, do Valor Econômico

A "mexicanização" do quadro partidário brasileiro é um debate a ser colocado em devidos termos. A ameaça de que o PT, depois das eleições de outubro, se transforme num Partido Revolucionário Institucional (PRI), que governou o México de 1929 a 2000, é apresentada como "denúncia". Isso é, no mínimo, um equívoco. A questão merece ser tratada criticamente por todos os atores do cenário político, sob pena de a eleição consolidar, de fato, e por um bom tempo, um único partido com condições de acesso ao poder pelo voto.

Essa perspectiva está colocada não porque o PT trapaceou, mas porque a oposição acreditou demais no seu poder de influenciar massas via convencimento das elites. É uma estratégia medíocre de ação política, num mundo onde o acesso à informação tem aumentado e ao mesmo tempo saído da órbita exclusiva da influência dos grandes grupos, e num Brasil onde um grande número de cidadãos-eleitores deixou a pobreza absoluta, outro tanto ascendeu à classe média, a escolaridade aumentou, o acesso à internet é maior e a influência das elites sobre os mais pobres tornou-se muito, muito relativa.

Oposição não mobilizou militância nem formou quadros

Dos partidos na oposição, apenas o P-SOL, em passado recente, e o PPS, quando remotamente era PCB, conseguiram pelo menos formular idealmente um conceito de partido de massas. O P-SOL fracassou porque foi criado na contramão de um crescimento espantoso do PT, partido do qual se originou, e do recuo de setores que, durante o mensalão, ensaiaram abandonar o partido de Lula. Amedrontados com a retórica pré-64 da oposição, esses setores acabaram lentamente retornando à órbita do petismo. O PCB conseguiu a façanha de ser um partido de massas apenas quando tinha um líder carismático, Luiz Carlos Prestes. Como viveu boa parte de sua existência na clandestinidade, é difícil saber se teria vocação para sair da política de vanguarda e ganhar substância em setores mais amplos. O PPS, que o sucedeu, certamente não mostra essa capacidade.

O PT continua a exceção no quadro partidário. A estrutura montada pelo partido nacionalmente, quando começava a se perder na burocratização da máquina, foi salva pelo lado popular do governo Lula e pela ofensiva oposicionista. O partido não é mais o que era quando foi fundado, mas é certo que tem uma representação social.

As demais legendas, em especial as de oposição, não conseguiram sair da camisa de força dos partidos de quadros. O PSDB, que catalisou a oposição a Lula, e o DEM, com o qual é mais identificado, terceirizaram a ação partidária para uma mídia excessivamente simpática a um projeto que, mais do que de classes, é antipetista. Todo trabalho de organização partidária, de formulação ideológica e de articulação orgânica foi substituído por uma única estratégia de cooptação, a propaganda política assumida pelos meios de comunicação tradicionais. A vanguarda oposicionista tem sido a mídia. Esta, espelhando-se na velha estrutura social do país, tem praticado uma conversa exclusiva com os seus: assumiu um discurso para agradar a elite, que por sua vez perdeu quase totalmente seu poder de influência sobre os menos ricos e escolarizados. Os partidos de oposição e a mídia falam um para o outro. Pouco têm agregado em apoio popular, que significaria voto na urna e, portanto, vitória eleitoral.

A ideia de propaganda política via mídia, que para a esquerda pré-Muro de Berlim era uma parte da estratégia de tomada do poder, e para os social-democratas a estratégia de conquista do poder pelo voto, tornou-se a única ação efetiva da oposição brasileira, exercida, porém, de fora dos partidos. Teoricamente, a mídia tradicional brasileira não é partidária. Na prática, exerce essa função no hiato deixado pela deficiente organização dos partidos que hoje estão na oposição ao presidente Lula. E o produto final não é exatamente a agregação de adeptos, mas uma conversa entre iguais, que se autoalimenta de um discurso trazido do udenismo, pouco propenso a conduzir um debate propriamente ideológico.

Esse não é um fenômeno pós-Lula simplesmente, embora os dois governos do presidente petista tenham dado grande contribuição a esse descolamento entre a "opinião pública" e a "opinião dos pobres". Logo no início da redemocratização, foi instituído o voto do analfabeto. Ao longo dos dois últimos governos - portanto, nos últimos 15 anos - ocorreram ganhos de cidadania via aumento de escolaridade e renda que, por si só, incentivam a autonomia do voto. Nos últimos sete anos, os programas de transferência de renda reforçaram essa tendência.

Esse contingente de novos eleitores ganhou autonomia de voto e se descolou da mídia tradicional. Nesse universo, os formadores de opinião pública - por sua vez formados pela mídia - não têm o mesmo acesso que tinham antigamente. O ingresso dos antigos desletrados na era da informação tem se dado pela televisão - e aí o horário eleitoral gratuito é neutralizador - e um pouco pela internet, mas a decisão política ocorre por ganhos de cidadania. Como a mídia tradicional é a única a operar como "propagandista" dos partidos de centro e de direita que nunca acharam necessário incorporar militância, formar quadros ou mesmo publicizar ideário, é de se supor que a capacidade de formação de consensos da mídia tradicional seja pouco significativa numa parcela do eleitorado que ascendeu recentemente ao mercado consumidor.

O bloco oposicionista, que inclui não apenas os partidos, mas a mídia tradicional, não entendeu as mudanças que ocorreram no país. O modelo partidário que trazem na cabeça é um que pressupõe alinhamento automático de parcelas da população com líderes distantes ou donos de votos locais, ou a submissão da "ignorância" popular à opinião formada por iluminados. O novo Brasil não comporta mais isso. Esse modelo de política é elitista, porque não parte do princípio que as pessoas são iguais inclusive no direito de formar uma opinião própria.

Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras

E-mail maria.inesnassif@valor.com.br

quinta-feira, setembro 09, 2010

O avanço de Dilma no reduto tucano

Da Coluna de Maria Inês Nassif, do Valor Econômico

O avanço de Dilma Rousseff, a candidata do PT à Presidência, no reduto tucano paulista, é um dado muito delicado para o grupo de José Serra dentro do PSDB. O partido nacional não se sairá bem das eleições de outubro, mas o tucanato paulista estará em maus lençóis mesmo que ganhe as eleições para o governo do estado.

Em São Paulo, a candidata do PT já tem votos para suplantar seu adversário tucano. Isso significa que Dilma conseguiu furar o bloqueio de uma forte rejeição petista no estado, que tem garantido eleições sucessivas de candidatos do PSDB ou apoiados pelos tucanos, no momento em que as lideranças nacionais do PSDB paulista declinam. Para o PT, este é um acontecimento.

Mário Covas, que foi o grande articulador da criação do partido e o único elemento agregador desse núcleo original do PSDB, faleceu em 2001. Fernando Henrique Cardoso foi eleito presidente duas vezes na onda do Plano Real e de uma ideia genérica de “Brasil moderno” trazido pela hegemonia liberal, do qual acabou se tornando o grande artífice no país, com a inestimável ajuda do eleitorado conservador paulista, dos votos conservadores da região Sul e dos grotões sob a influência do PFL no Nordeste e no Norte. Saiu do governo desgastado por sucessivas crises econômicas e não assumiu qualquer papel de liderança interna. Se as pesquisas se confirmarem, José Serra perderá, já no primeiro turno, para Dilma Rousseff.

Sem líderes, PSDB ficará muito parecido com PMDB

O grupo serrista tinha forte influência sobre o partido nacional e assumiu as rédeas do PSDB estadual, até então sob a órbita de influência do herdeiro de Covas, Geraldo Alckmin, um político de prestígio regional, mas afeito à política tradicional de alianças com chefes políticos locais. A máquina tucana no estado foi montada por Alckmin; o chefe da Casa Civil de Serra, Aloysio Nunes, trabalhou muito para cooptá-la. O fato, no entanto, é que Alckmin ainda tem mais votos no estado do que Serra.

Houve, portanto, um movimento claro do governador José Serra para assumir a liderança regional do partido, ao mesmo tempo em que mantinha forte influência sobre o partido nacional, apesar de emersões episódicas do governador de Minas, Aécio Neves.

Enquanto tinha o governo estadual e era tido como o preferido nas eleições presidenciais, o candidato tucano a presidente se manteve no controle das duas máquinas partidárias — a paulista e a nacional.

Se perder a eleição, Serra acumulará duas derrotas nas eleições presidenciais — foi candidato em 2002 e perdeu para Lula; é candidato em 2010 e pode perder para a candidata de Lula, num partido que depende desesperadamente de uma vitória para manter o nariz para fora da água. Está sendo cristianizado pelos candidatos tucanos ao governo e ao Senado quase no país inteiro. Dificilmente conseguirá se manter como liderança nacional sem cargo político e sem aliados internos de peso.

Além disso, apesar das aparências, manteve-se em rota de colisão constante com o DEM. Uma estratégia de articulação oposicionista, no caso de vitória de Dilma Rousseff, tem poucas chances de ter o ex-governador como elemento de coesão — interna ou com aliados.

Por força do seu estilo, e das disputas locais, o candidato a governador tucano no estado, Geraldo Alckmin, jamais alçou voos nacionais. Não se pode dizer que os grupos de Serra e de FHC tenham facilitado a vida de Alckmin, mesmo quando ele foi candidato à Presidência, em 2006. Alckmin entra pela porta da sala na política estadual; tem acesso apenas à porta da cozinha na política nacional. Se vencer a eleição, ele deterá o controle da maior parcela de um PSDB em crise. É duvidoso que consiga, no entanto, ser convidado para entrar na sala de visitas da cúpula nacional.

O PSDB, que sempre sobreviveu como partido de quadros, está com severos problemas — de quadros. Ao longo de sua existência, o partido se manteve em torno de personalidades que se desgastaram politicamente com o passar dos anos, ou estão velhas, ou morreram. A exceção é o governador Aécio Neves, uma geração abaixo da do grupo original e que, por manobras de Serra ou por esperteza, guardou-se do desgaste que o embate com um governo altamente popular traria e retirou a sua pré-candidatura a presidente da República.

São Paulo deve ainda contribuir fortemente para a bancada federal do PSDB, mas, sem líderes que sustentem essa hegemonia, o partido deve ficar muito parecido com o PMDB: cada um cuida de seus interesses eleitorais e todos brigam pelo controle regional porque isso facilita o trânsito de suas necessidades imediatas. Se Aécio não assumir o papel de líder nacional, já que chegará ao Senado com uma votação avassaladora, o PSDB estará condenado a ser uma federação de partidos regionais, a exemplo da legenda de Michel Temer.

Para o diretor da Sensus, Ricardo Guedes, a eleição foi definida, em favor de Dilma, no momento em que Serra alcançou 40% de rejeição. Do penúltimo CNT/Sensus, coletado de 31 de junho a 2 de agosto, para o último, feito de 20 a 22 de agosto, Serra passou de cerca de 30% de rejeição para 40%. Isso torna qualquer candidatura inviável, segundo Guedes.

Para Marcos Coimbra, do Instituto Vox Populi, Dilma tem grandes chances de vencer no primeiro turno porque o período de propaganda eleitoral gratuita tem sido absolutamente eficiente no trabalho de associação entre ela e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A campanha no rádio e na televisão tem servido mais como informação a um eleitor pré-disposto a votar na continuidade do que propriamente como instrumento de captação de votos.

Conforme se torna conhecida como a candidata de Lula, Dilma consolida posição. A rejeição a Serra, na opinião de Coimbra, é grande, mas decorrência da definição de voto por Dilma. Por essa razão, Coimbra duvida da eficiência da campanha negativa de Serra.

Maria Inês Nassif escreve todas as quinta-feiras.

quarta-feira, setembro 08, 2010

O fato novo

De Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

Quem, nas duas últimas semanas, leu os colunistas dos “grandes jornais” (os três maiores de São Paulo e Rio) deve ter notado a insistência com que falaram (ou deixaram implícito) que as eleições presidenciais não estavam definidas. Contrariando o que as pesquisas mostravam (a avassaladora dianteira de Dilma), fizeram quase um coro de que “nada era definitivo”, pois fatos novos poderiam alterar o cenário.

Talvez imaginassem (desconfiassem, soubessem) que uma “bomba” iria explodir. Tão poderosa que mudaria tudo. De favorita inconteste, Dilma (quem sabe?) desmoronaria, viraria poeira.

Veio o fato novo: o “escândalo da Receita”. Durante dias, foi a única manchete dos três jornais. É muito? Certamente que sim, mas é pouco, em comparação ao auxílio luxuoso da principal emissora de televisão do país. Fazia tempo que um evento do mundo político não ganhava tanto destaque em seus telejornais. Houve noites em que recebeu mais de 10 minutos de cobertura (com direito a ser tratado com o tom circunspecto que seus apresentadores dedicam aos “assuntos graves”).

Hoje, passados 15 dias de quando “estourou” o “escândalo”, as pesquisas mostram que seu impacto foi nulo. A “bomba” esperada pelos que torciam pelo fato novo virou um traque.

Por mais que os “grandes” jornais tenham se esforçado para fazer do “escândalo da Receita” um divisor de águas, ele acabou sendo nada. Tudo continuou igual: Dilma lá na frente, Serra lá atrás.

Tivemos, nesses dias, uma espécie de dueto: um dia, essa imprensa publicava alguma coisa; no outro, a comunicação da campanha Serra a amplificava, dando-lhe “tom emocional”. No terceiro, mais um “fato” era divulgado, alimentando a campanha com um novo conteúdo. E assim por diante.

Um bom exemplo: o “lado humano” da filha de Serra ser alvo dos malfeitores por trás do “escândalo”. Noticiado ontem, virou discurso de campanha no dia seguinte, com direito a tom lacrimejante: “estão fazendo com a filha do Serra o mesmo que fizeram com a filha do Lula”.

Há várias razões para que a opinião pública tenha tratado com indiferença o “escândalo”. A primeira é que ele, simplesmente, não atingiu a imensa maioria do eleitorado, por lhe faltarem os ingredientes necessários a se tornar interessante. O mais óbvio: o que, exatamente, estava sendo imputado a Dilma na história toda? Se, há mais de ano, alguém violou o sigilo tributário de Verônica Serra e de outras pessoas ligadas ao PSDB, o que a candidata do PT tem a ver com isso? É culpa dela? Foi a seu mando? Em que sua candidatura se beneficiou?

A segunda razão tem a ver, provavelmente, com a dificuldade de convencer as pessoas que o episódio comprove o “aparelhamento do estado pelo PT” ou, nas palavras do candidato tucano, a “instrumentalização” do governo pelo partido. Será que é isso mesmo que ele revela?

Se a Receita Federal fosse “aparelhada” ou “instrumentalizada”, por que alguém, a mando do PT (ou da campanha), precisaria recorrer a um estratagema tão tosco? Por que se utilizaria dos serviços de um despachante, mancomunado com funcionários desonestos? Não seria muito mais rápido e barato acessar diretamente os dados de quem quer que seja?

Não se discute aqui se alguém quis montar um dossiê anti-Serra ou se ele chegou a existir. Sobre isso, sabemos duas coisas: 1) é prática corrente na política brasileira (e mundial) a busca de informações sobre adversários, que muitas vezes ultrapassa os limites legais; 2) o tal dossiê nunca foi usado. As vicissitudes da candidatura Serra ao longo da eleição não têm nada a ver com qualquer dossiê.

O próprio “escândalo” mostra que a Receita Federal possui sistemas que permitem constatar falhas de segurança, rastrear onde ocorrem e identificar responsáveis. É possível que, às vezes, alguém consiga driblá-los. No caso em apreço, não.

No mundo perfeito, a Receita é inexpugnável, não existem erros médicos na saúde pública, todos os professores são competentes, não há guardas de trânsito que aceitam uma “cervejinha”. Na vida real, nada disso é uma certeza.

Todos esperam que o governo faça o que deve fazer no episódio (e em todas as situações do gênero): investigue as falhas e puna os responsáveis. Ir além, fazendo dele um “escândalo eleitoral”, é outra coisa, que não convence, pelo que parece, a ninguém.

Artigo publicado originalmente no Correio Brasiliense.