quarta-feira, setembro 30, 2009

Constituição hondurenha não justifica o golpe

*PEDRO ESTEVAM SERRANO ESPECIAL PARA A FOLHA
O golpe em Honduras, que destituiu do exercício de seu mandato pelas armas um presidente eleito pelo voto, tem sido duramente repudiado pela comunidade internacional. Os golpistas usaram como justificativa o apoio da Corte Suprema e do Legislativo à deposição de Manuel Zelaya, fundando-se no artigo 374 da Constituição, que torna inválido qualquer plebiscito ou referendo que possibilite a renovação do mandato presidencial. A partir dessa justificativa, alguns articulistas têm adotado como verdade uma suposta juridicidade do golpe, que teria, assim, um caráter universal de defesa da Constituição.
Tal conclusão, contudo, não resiste a uma leitura minimamente sistemática do texto constitucional de Honduras. O artigo 374 da Carta Magna hondurenha efetivamente impossibilita reforma constitucional que altere o mandato presidencial ou possibilite a reeleição do titular do respectivo mandato. Em verdade, tal dispositivo é clausula pétrea da Carta.
A clausula torna inválida qualquer alteração constitucional com tal objeto, mas não tem por si o condão de gerar a perda de mandato do presidente e muito menos dispensa o devido processo legal para tal sanção. O artigo 5º da Constituição impossibilita referendos ou plebiscitos que tenham por objeto a recondução do presidente ao mesmo mandato, sendo que o artigo 4º considera como obrigatória a alternância do exercício da Presidência, tornando crime de traição contra a pátria sua não observância.
Ora, a simples proposta de reeleição por um mandato do presidente da República não implica atentado contra o princípio da alternância, apenas altera o lapso de tempo pelo qual se dará tal alternância. O único dispositivo no texto que poderia servir de fundamento à possível perda do mandato do presidente seria, provavelmente, a alínea 5 do artigo 42 da Carta, que torna passível da perda dos direitos de cidadania, entendida como a capacidade de votar e ser votado, a pessoa que “incitar, promover ou apoiar o continuísmo ou a reeleição do presidente”.
Primeiro, a afirmação que a proposta de reforma constitucional de Zelaya implica inobservância de tal dispositivo merece algum reparo. O dispositivo pretende evitar o apoio e o incitamento ao continuísmo do detentor do mandato de presidente na época dos fatos. Zelaya tem afirmado que sua proposta é de possibilitar a reeleição de futuros presidentes, e não dele próprio. Assim, ele não teria apoiado, promovido ou incitado o continuísmo do atual presidente -ele próprio.
E, de qualquer forma, a alínea 6 do artigo 42 e diversos outros dispositivos da Constituição hondurenha determinam que a perda da cidadania deve ser aplicada em processo judicial contencioso e com direito a ampla defesa, observado o devido processo legal, o que não ocorreu de modo algum no procedimento adotado pelos golpistas e seus apoiadores.Ainda que se considerasse que Zelaya cometeu crime ao ter formulado uma proposta de consulta popular contrariamente à Constituição, que o devido processo legal seria desnecessário por não previsão de procedimento específico de cassação de seu mandato na Carta hondurenha, que a Corte maior daquele país sancionou a decisão golpista de detê-lo, a forma de execução dessa decisão foi integralmente atentatória a dispositivos expressos da Constituição de Honduras.
O artigo 102 estabelece expressamente que nenhum hondurenho pode ser expatriado nem entregue pelas autoridades a um Estado estrangeiro. Ter detido Zelaya ainda de pijamas e tê-lo posto para fora do país de imediato atenta gravemente contra tal dispositivo.
A conduta golpista tratou-se de um cipoal de inconstitucionalidades, ao contrário do que postularam articulistas apressados, mais animados pela simpatia ao golpe de direita que por qualquer avaliação mais precisa e sistemática da Constituição hondurenha. Os atos praticados formam um atentado grave a diversos dispositivos da Carta Magna daquele país.Em verdade, a conduta dos golpistas e dos que os apoiaram é que, clara e cristalinamente, constitui crime conforme o disposto no artigo 2º da Carta hondurenha, que tipifica como delito de traição da pátria a usurpação da soberania popular e dos poderes constituídos.
Podem querer alegar que, mesmo inconstitucional, toda a conduta golpista foi sustentada pela Corte maior. À Corte constitucional cabe o papel de interpretar a Constituição e não de usurpá-la às abertas. Sua autoridade é exercida não em nome próprio, mas como intérprete da Constituição, cabendo-lhe defendê-la, não destruí-la.
Ao agir como agiu, a Corte hondurenha realizou o que no âmbito jurídico tem-se como “poder constituinte originário”, ou seja, uma conduta política e não jurídica, originária, de fundação de uma nova ordem constitucional. Uma ordem imposta, de polícia e não democrática. Na ciência política, o mesmo fenômeno tem outro nome: golpe de Estado.

*PEDRO ESTEVAM SERRANO, mestre e doutor em direito do Estado, é professor de direito constitucional da PUC-SP
Comentário do blogueiro: Enfim, a Folha de São Paulo publicou um bom artigo sobre a questão hondurenha. De uma hora para outra, o Brasil ganhou um montão de especialistas na Constituição de Honduras, todos justificando o golpe de Estado. Duas observações a acrescentar no artigo: (1) o referendo proposto em momento algum falava em reeleição, mas nova Constituinte. Por óbvio, o objetivo era permitir reeleição. Mas uma nova Constituinte tem autonomia para fazer a modificação que quiser na Constituição, pois não há cláusula pétrea no poder constituinte originário (somente no derivado ou reformador); e (2) Zelaya dizia que desejava futuros presidentes. De fato, o referendo proposto era na mesma data da eleição presidencial, portanto, não teria como beneficiá-lo.

2 comentários:

Anônimo disse...

Impressionante a quantidade de petista traíra em minas. Nunca vi isso um líder importante do partido apoiar candidato de outro partido.
http://www.uai.com.br/UAI/html/sessao_3/2009/10/06/em_noticia_interna,id_sessao=3&id_noticia=130662/em_noticia_interna.shtml

Anônimo disse...

Os despeitados do globo continuam fazendo oposição ao governo Lula.

A manchete de primeira página de hoje é a seguinte:

COBRADO SOBRE VIAGENS, LULA CHAMA OPOSIÇÃO DE ‘OCIOSA’.

Eu pergunto: quem tem moral para cobrar algo do presidente Lula? Quem é essa oposição repulsiva para questionar os passos do maior presidente de todos os tempos? Quem é esse jornaleco fascista representante dos abastados poderosos e daqueles que em governos passados teimaram em atrapalhar o progresso do Brasil para questionar o presidente do povo? Essa oposição de o globo não me surpreende. O que poderíamos esperar de um jornal que cresceu mamando nas tetas de governos golpistas e ditadores e que criou o maior império de comunicações com o beneplácito desses governos?
Agora fica este jornal representante da oposição, dando uma de moleque de recados do PSDB e do DEM. Estão com saudades naturalmente das benesses e das informações privilegiadas de governos corruptos de que fez parte essa oposição medíocre e golpista. O globo, por exemplo, está mais do que comprometido com aquela gente, veiculava em quase todas suas páginas matérias e comerciais pagos por esses governos a peso de ouro e ninguém podia dizer nada por falta de transparência.
O jornal o globo ainda não se deu conta que estamos em outro governo, diferente daqueles tempos em que mandava e o governo obedecia. Saiba de uma coisa pessoal do globo, o governo Lula não vai abaixar a cabeça para vocês e nem beijar as suas mãos. O presidente Lula gosta mesmo é do cheiro rude do nosso proletariado e está trabalhando para esse proletariado. Está se lixando pra vocês.
Querido (a) leitor (a) desse Blog, se você quiser protestar contra o globo mande e-mail para cartas@oglobo.com.br. Cuidado! Vão tentar empurrar na sua goela a assinatura desse jornal. Mande-os para a... . Você sabe.
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José Lopes