sexta-feira, dezembro 28, 2007

O discurso do presidente foi politicamente perfeito

Quem viu ontem à noite o discurso do presidente Lula à nação certamente entendeu a mensagem que se desejava passar. O discurso, preparado pelo publicitário João Santana e pelo jornalista Franklin Martins, responsável pela comunicação do governo, acertou no tom, sem atacar fortemente a oposição. Acertou também na forma, com as divisões temáticas. Finalmente, acertou no conteúdo, evitando entrar em assuntos como a CPMF. Enfim, o discurso presidencial foi politicamente perfeito.

Foi otimista como deve ser o discurso presidencial. Não é o presidente que deve ficar injetando dose de pessimismo como um possível agravamento da crise americana e seus desdobramentos para o país. Falou também do presente e do futuro, realçando os dados positivos da economia e os avanços na área social. Porém, o destaque foi a futuridade. Nesse quesito, o presidente ressaltou o PAC – e promessas de que o país será um canteiro de obras no próximo ano -, bem como a necessidade de se avançar mais na segurança pública, educação é saúde.

Nesse último, a saúde, o presidente aproveitou para posar de democrata, respeitando a decisão do Congresso sobre a CPMF, mas não deixou de dar uma alfinetada na oposição. Fez isso de maneira sutil e elegante, mas destacou que a área da saúde poderia ter maiores avanços a partir do ano que vem, caso a CPFM fosse aprovada.

A estratégia do presidente foi correta e calculada, pois responsabilizou indiretamente a oposição pelo fracasso do governo na área da saúde – aliás, essa é uma área em que as pesquisas indicam ser uma das piores avaliadas pela população. E também dividiu responsabilidade com o Congresso e sua base de sustentação para se encontrar fontes de financiamento para a saúde.

A oposição e parte da base que votaram contra a CPMF podem ter zerado o jogo político com essa vitória, mas não terá como fugir da armadilha de ter que dividir a responsabilidade pela obtenção de mais recursos para a saúde. O governo sofreu uma perda orçamentária considerável – afinal, são 40 bilhões -, mas já começa a reunir capital político para novas batalhas. Contando que o governo não tem mais nada de importante em sua agenda que precisa de maioria qualificada até o final do mandato, sua vantagem sobre a oposição é muito grande. Feliz ano de 2008.

Leia na íntegra o discurso do presidente Lula à nação

Minhas amigas e meus amigos,

Nesta noite, quero fazer com vocês um balanço de 2007. Deste excelente momento do Brasil. Quero começar agradecendo a todos que, com seu trabalho, esforço e determinação, tornaram esse momento possível.


Quero agradecer ao Congresso Nacional e ao Poder Judiciário.

Quero agradecer tanto aos que apoiaram como aos que criticaram o governo ao longo desses anos. Sem a participação de todos seria impossível unir o país e encontrar os melhores caminhos para o futuro.

A todos vocês, meu muito obrigado.

Já podemos dizer com certeza que nossa economia cresceu mais de 5% em 2007. E 2008 será também muito bom, pois estamos iniciando o ano com um ritmo bem vigoroso.

O desemprego está em queda. De janeiro a novembro, criamos 1,936 milhão empregos com carteira assinada, um recorde histórico. Segundo o IBGE, o índice de desemprego no mês passado foi de 8,2%. O mais baixo de toda história desta pesquisa.

Não só aumenta o emprego. O salário também melhora. Em 97% dos acordos, o trabalhador teve reajuste maior ou igual à inflação. A massa salarial cresceu 7% este ano.

Nos últimos 5 anos, 20 milhões de pessoas deixaram as classes D e E, de baixo consumo, e migraram para a classe C. Apenas nos últimos 17 meses, 14 milhões de brasileiros ingressaram nesta nova classe média, cada vez mais ativa e numerosa. Ou seja, finalmente, estamos criando um amplo mercado de massas.

Inclusão social

Um amplo mercado de massas não só melhora a vida de milhões de famílias. Também gera um círculo virtuoso: como há mais gente entrando no mercado consumidor, crescem as vendas, a indústria e o campo produzem mais, os empresários investem com mais força e as empresas abrem mais vagas.

Por tudo isso, este ano, a ONU incluiu o Brasil, pela primeira vez, no grupo dos países com alto índice de desenvolvimento humano. É sinal de que nossa luta contra a pobreza, através de programas como o Bolsa Família, está dando certo. Isso mostra que inclusão social não é apenas uma expressão bonita e desejada. E, sim, uma realidade. Uma realidade que vai se ampliar ainda mais, porque o Brasil descobriu como fazer crescimento econômico com inclusão social.

Esta talvez seja a nossa maior conquista nos últimos anos: o Brasil não aceita mais ser um país de poucos. Está se tornando um país de muitos. E não descansará enquanto não for de todos.

Programa de Aceleração do Crescimento-PAC

Em 2007, lançamos e consolidamos o PAC. Em 2008, o Brasil será um canteiro de obras. Nos próximos anos, R$ 504 bilhões vão se transformar em rodovias, ferrovias, hidrovias, energia, portos e aeroportos, habitação, água potável e saneamento básico.

O PAC significa, antes de tudo, crescimento e emprego. As décadas perdidas, pela falta de confiança no país e pela falta de planejamento e de ação do Estado, ficaram para trás.

Não só estamos fazendo mais, como estamos fazendo muito mais barato. Nas licitações para exploração de rodovias, o preço dos pedágios caiu fortemente. No leilão da usina de Santo Antonio, no rio Madeira, o custo do megawatt/hora voltou aos patamares do início da década de 90. São ótimas notícias para o país.

Meio ambiente

Se o Brasil descobriu como crescer com inclusão social, também está descobrindo como crescer sem destruir a natureza. Temos conseguido reduzir o desmatamento de forma constante e sustentada. Estamos ampliando nossa liderança mundial no uso e na produção de biocombustíveis. E, a partir do dia 1º de janeiro, daremos um novo passo, adicionando 2% de biodiesel a todo o óleo diesel consumido no país. Nossa matriz energética é e continuará sendo uma das mais limpas do mundo.

Todo esse esforço nos dá autoridade para exigir dos países ricos, os que mais poluem o planeta, medidas efetivas para reduzir o aquecimento global.

Avançar mais

A casa está arrumada e os resultados começam a aparecer. Mas é necessário avançar ainda mais, sobretudo em segurança, educação e saúde.

Na segurança, queremos estreitar ainda mais a colaboração com os Estados. Reforçamos a inteligência policial, organizamos a força nacional de segurança e fortalecemos a Polícia Federal. E lançamos neste ano o Pronasci, programa que investirá até 2010 mais de R$ 6 bilhões no combate ao crime, além de apoiar os jovens ameaçados de cair na delinqüência.

Na educação, alem do Fundeb, criamos o Plano de Desenvolvimento da Educação, o PDE, que fará uma revolução na qualidade do ensino no país. Até 2010, serão aplicados R$ 12 bilhões nos ensinos médio e fundamental, reforçando os salários dos professores e equipando as escolas. E estamos abrindo dez novas universidades públicas, 48 extensões universitárias no interior e 214 escolas técnicas em todo o país. Também estamos ampliando o Prouni, que já ofereceu 400 mil bolsas de estudos em faculdades particulares, e lançando o Reuni, que, em quatro anos, vai criar cerca de 400 mil novas vagas nas universidades federais. Assim, tornaremos mais democrático o acesso ao ensino superior.

Na saúde, no começo de dezembro, lançamos o PAC, que destinaria até 2010 mais R$ 24 bilhões para o setor. Entre outras coisas, todas as crianças das escolas públicas passariam a ter consultas médicas regulares, inclusive com dentistas e oculistas. Infelizmente, esse processo foi truncado com a derrubada da CPMF, responsável em boa medida pelos investimentos na saúde. Como democrata, respeito a decisão tomada pelo Congresso. E estou convencido de que o governo, o Congresso e a sociedade, juntos, encontrarão uma solução para o problema.

Confiança no Brasil

As boas notícias na economia e em outros setores criaram um novo clima no país. Hoje, há mais brasileiros olhando para o futuro com esperança.

Nada disso está ocorrendo por acaso. É fruto do trabalho e das escolhas feitas pelo povo e pelo governo. É fruto da participação social e do funcionamento da democracia. Estamos colhendo o que plantamos.

Volto a repetir que sou, ao mesmo tempo, o mais satisfeito e o mais insatisfeito dos brasileiros. Satisfeito porque fizemos muito, e insatisfeito porque ainda é pouco diante do tamanho da nossa dívida social.

Da minha parte, tenho fé que somos um povo capaz de enfrentar as maiores dificuldades e resolver qualquer problema. Fizemos isso em momentos muito mais difíceis. Certamente poderemos fazer muito mais agora, quando o Brasil encontrou seu rumo e está no caminho certo.

Um feliz Ano Novo. Que 2008 seja ainda melhor que 2007.

Boa noite."

quinta-feira, dezembro 27, 2007

Entrevista de Ciro Gomes ao Blog do Dirceu

Nessa entrevista, o presidenciável Ciro Gomes fala da transposição do Rio São Francisco, derrota da CPMF, reforma política e outros assuntos colocados na pauta política nacional. Vale a pena conferir.

Ciro Gomes: Golpe fracassa, mas adversários querem inviabilizar governo Lula.

Os adversários de Lula sonharam dar um golpe no presidente da República e, diante do insucesso, derrubaram a prorrogação da CPMF, com o objetivo de impedí-lo de governar. Esta é a interpretação do deputado Ciro Gomes (PSB-CE) para a rejeição “subalterna, politiqueira e eleitoreira” da prorrogação do imposto do cheque.Apontado como um dos possíveis candidatos da base aliada ao Palácio do Planalto em 2010, Ciro julga fundamental a manutenção de uma coalizão partidária, a mais ampla possível, para o sucesso naquele ano das forças do centro à esquerda que detém o poder no País hoje. “O que está em jogo é grave e não estaremos à altura da responsabilidade que o país espera de nós neste momento se não conseguirmos isso”, adverte o deputado.
[ José Dirceu ] Eu gostaria de começar falando sobre a transposição do rio São Francisco, porque há muita desinformação na opinião pública. Diz-se que não há um projeto para o agronegócio e para o hidronegócio e que a transposição não vai levar água para famílias, para as comunidades, apenas para o empresariado e que a elite vai dominar a água.
[ Ciro Gomes ] Essa discussão precisa ser trazida a um plano minimamente racional. Sob esse ponto de vista há uma metodologia que permita, a qualquer observador, crítico ou curioso, formar juízo sobre o assunto. Primeiro, há a necessidade de levar essa água lá para cima. O Brasil inteiro tem notícias centenárias de que ocorre, ciclicamente, a seca; de que há uma indústria da seca, de que há carro pipa manipulado para subornar consciências; de que a migração explode a partir dessa situação. Porém, isso precisa ser especificado em números. As Nações Unidas estabelecem para o mundo um padrão de disponibilidade hídrica per capita de 1.500 metros cúbicos por habitante/ano. Naquela região, os números mostram a disponibilidade de 550 metros cúbicos por habitante/ano. Portanto, a disponibilidade segura existente hoje é de um terço do mínimo necessário estipulado pela ONU.
Outra grande questão é se o rio tem essa água. Todo o Nordeste Setentrional só tem dois grandes rios perenes. Um, o rio Parnaíba, na fronteira do Piauí com Pernambuco, dispõe de 1.200 metros cúbicos por habitante/ano. Portanto, o Parnaíba não tem nenhum excedente. O outro, o São Francisco, tem 3.500 metros cúbicos por habitante/ano e uma vazão média de 3.850 metros cúbicos por segundo.
O projeto de transposição propõe abastecer 12 milhões de pessoas, um terço da população da região. Não é a redenção do Nordeste, não vai resolver todo o problema, nem tem resposta para toda a população (...). No trecho alcançado pela obra a proposta é transpor 23 metros cúbicos por segundo e elevar isso até 63 metros cúbicos por segundo se – e somente “se” – ocorrer cheia no lago da hidrelétrica de Sobradinho, o que acontece uma vez a cada 5 anos em média.
É a maior reforma agrária contínua, com água, da história do Brasil.
Quanto a questão se é para o agronegócio ou para o abastecimento humano, a outorga é um ato jurídico vinculado, formal, feito pela Agência Nacional de Águas. A outorga é absolutamente explícita: estão outorgados 23 metros cúbicos do São Francisco para abastecimento humano (...). O presidente Lula determinou – e isso é omitido da opinião pública – e nós decretamos de utilidade pública, para fins de desapropriação para reforma agrária, três quilômetros de cada lado em toda a extensão da obra, composta por dois eixos, o Norte e o Leste que, somados, totalizam 720 quilômetros. Então, é a maior reforma agrária contínua, com água, da história do Brasil. Três quilômetros para um lado e três para o outro nos 720 quilômetros de canais. Decretada essa desapropriação, a área fica indisponível para uso privado de quem quer que seja. Outro benefício é que o projeto pereniza mil quilômetros de rios secos no Nordeste Setentrional. O efeito estratégico disso, em matéria de produção de alimentos, de reforma agrária, de progresso, de retenção de migração é absolutamente inquestionável.
Por outro lado, o rio vem sendo agredido há 500 anos. Sua degradação é um fato, só não se pode atribuí-la a uma obra que ainda não está sendo feita. Ao contrário, a possibilidade da transposição trouxe a decisão política de revitalizar o rio. Revitalizar agora não é mais uma palavra, é um projeto, com orçamento, com prazos, metas e já em franca execução.
[ José Dirceu ] O que é essa revitalização?
[ Ciro Gomes ] Primeiro, 95% das matas ciliares junto ao rio já foram desmatadas e os 5% restantes continuam sendo desmatados em Minas Gerais, na Bahia, inclusive, para fazer carvão para siderúrgicas, com mão-de-obra semi-escrava e infantil ante o silêncio e a omissão dos ditos amigos do São Francisco. Segundo, em função do desmatamento o rio assoreou e praticamente perdeu a sua navegabilidade. Terceiro, 270 cidades quando o presidente Lula tomou posse (1º/1/2003) jogavam esgoto sem tratamento no rio (...).
A foz tem uma língua salgada (o mar avança sobre o rio) entrando, e isso também não é por causa da obra. O projeto de revitalização contempla essa lesão na foz, equacionou o que tem que ser feito e já está começando a obra. O desassoreamento está sendo cuidado, com a formação de 5 milhões de mudas para repor a mata ciliar nos 2.700 quilômetros de cada margem do rio e em milhares de quilômetros de seus afluentes.
[ José Dirceu ] Estes 5 milhões de mudas são para a fase inicial, não?
[ Ciro Gomes ] 5 milhões só para a malha principal. Como não tem muda, nós estamos fazendo com os assentamentos de reforma agrária e os institutos florestais de Minas Gerais. Em função das barragens (das hidrelétricas), a água chega no Baixo São Francisco praticamente filtrada, sem nutrientes para os peixes. Por isso o rio perdeu sua piscosidade. Há um projeto para atender esse aspecto e repor a produção de peixes. Tudo foi considerado e tudo está em execução. Agora, em relação a transposição há uma acusação incômoda sobre falta de discussão e autoritarismo.
[ José Dirceu ] Vamos contar um pouco essa história ...
O bispo não discutiu o projeto e entrou em greve de fome.
[ Ciro Gomes ] Quando o presidente Lula tomou posse, me chamou, determinou a execução do projeto e disse que tinha pressa. Ponderei que não era possível fazer qualquer coisa na área se não zerássemos o equívoco, gerado no passado e detectado em pesquisas, com relação ao termo transposição. Era preciso, primeiro, informar a população do Baixo São Francisco, principalmente em Sergipe, que transposição não significava tirar o rio do seu leito natural e levar para outro canto. Isso é um absurdo. O rio vai ficar vai ficar quietinho no lugar dele.
Na seqüência, organizamos e instalamos o Comitê da Bacia do Baixo São Francisco. Instalado, o comitê fez uma primeira exigência: suspender toda e qualquer providência até que fosse feito um plano para a Bacia, o que fizemos. Mobilizamos a excelência técnica e os mais qualificados cientistas de todas as universidades brasileiras. Trabalharam juntos governo e Comitê da Bacia e, em seis meses, o projeto ficou pronto. Terminados os seis meses, e com o plano pronto, o comitê pediu mais três meses, sem que se tomasse providência nenhuma, para que o plano fosse validado pela sociedade civil. Achamos de bom senso e suspendemos tudo por mais três meses. Promovemos 40 audiências públicas, em capitais e no interior de todos os estados, e o projeto foi aprovado, por unanimidade, numa reunião em Salvador.
É tudo chincana judicial de quem alega falta de diálogo
[ José Dirceu ] E teve também uma ampla discussão sobre o processo de licenciamento ambiental.
[ Ciro Gomes ] Sim, convocamos mais de 70 audiências públicas, em todos os estados, não só nos da bacia doadora, mas também nos estados das bacias receptoras. Apesar das audiências serem convocadas com 15 dias de antecedência, essa gente que se organiza para criticar a falta de diálogo e de debate, obteve liminares judiciais, de forma absolutamente oportunista, na hora em que os servidores do governo já estavam lá para as audiências. Assim, optaram por não participar das audiências públicas e inibí-las na primeira rodada. Abria a audiência e chegava a liminar. Revogadas as liminares pelo Judiciário, nova rodada de audiências públicas foi convocada. Essa gente foi lá e impediu fisicamente, agredindo servidores públicos, ameaçando-os de morte. Impediram o debate e não deram uma única contribuição (...). Foi feito o licenciamento prévio e o assunto foi levado ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos, que reúne governo e setores da sociedade civil.
Na primeira reunião para deliberação do conselho, nova liminar judicial impediu sua realização. Tudo chincana judicial de quem alega falta de diálogo. Derrubada a liminar, convocamos nova reunião e o projeto foi aprovado no Conselho por 36 votos a 2. Todas as liminares chegaram ao Supremo Tribunal Federal, que as derrubou, depois de ouvir todas as partes (...). Aí o bispo entrou em greve de fome. Sem falar com ninguém.
O debate também foi levado à sociedade civil pelo governo – a OAB, duas vezes a CNBB - em ambas o bispo Cappio foi convidado e não compareceu - a CUT, ao MST, e as comunidades indígenas. O Tribunal de Contas da União e o Ministério Público também foram procurados, assim como clubes de engenharia e outras entidades que tivessem, de alguma forma, interesse, relação, contribuição ao projeto. E o vice-presidente da República liderou, pessoalmente, uma delegação em nome do Lula numa rodada de debates em todos os estados, numa discussão com governadores, políticos e com os empresários.
[ José Dirceu ] Vamos abrir uma janela aqui, nessa questão do rio São Francisco, e falar de outros assuntos. A rejeição à prorrogação da CPMF?
[ Ciro Gomes ] Foi o ato de maior irresponsabilidade política do qual tomei conhecimento nos últimos anos. Não se trata de discutir o mérito da CPMF, porque tecnicamente é um tributo ruim, tem várias imperfeições. Ao incidir com alíquota única sobre todos os valores é regressivo. Ao incidir sobre investimento, da mesma forma – deveria incidir sobre especulação e consumo. A CPMF não é estimulante para o desenvolvimento. Em uma hipotética reforma tributária, não se deveria considerar tributo com esse tipo de incidência. Mas, não foi disso que se tratou no debate no Congresso. O debate era: o país pode ou não abrir mão de R$ 40 bilhões sem uma reforma tributária, sem um conjunto de providências que prevenissem esse saque violento e abrupto, politiqueiro, irresponsável, tal o volume de recursos nas finanças públicas brasileiras? E a resposta foi o que vimos.

A rejeição da CPMF visa inviabilizar governo Lula

[ José Dirceu ] E como você a interpreta?
[ Ciro Gomes ] É indisfarçável a motivação subalterna, politiqueira e eleitoreira da resposta. É uma motivação de quem tentou escalar o golpe por um caminho, não conseguiu e, agora, quer impedir o presidente Lula de governar. E isso é muito claro: se o país tiver superávit nominal, é possível incrementar custeio, investir mais em segurança, educação,saúde, ou incrementar o investimento nos portos, ferrovias, rodovias. Mas, o país tem déficit nominal. Portanto, o que se fez foi uma imposição ao governo. Passa-se a pressionar agora por uma alta da taxa de juros, que inibe a faixa de investimentos da economia brasileira, que vinha cobrindo, pela primeira vez em muitos anos a chegada dos jovens ao mercado de trabalho.
O que querem é que o governo, para suprir os R$ 40 bilhões da CPMF, estresse o déficit da Previdência Social – elimine aposentadorias e pensões – ou elimine o Bolsa Família. É disso que se trata. E fizeram com a mão do gato, de uma forma muito competente porque falar mal de imposto num país que não devolve nada para a classe média, obrigada crescentemente a pagar dobrado para viver, é muito fácil. Esse debate é nesse estrato (classe média), não é no povão.
[ José Dirceu ] O principal problema, na verdade, é a maioria que o governo não tem na Câmara e no Senado. O partido do governo, o PT e seus aliados se conformam com isso. Aliás, o Senado é muito mais criticável do ponto de vista programático.
[ Ciro Gomes ] Na Câmara a coisa está bem. Houve um debate rico e a CPMF passou muito bem. No Senado também poderia ter passado. Aí não vale a pena só falar mal dos nossos adversários. O governo errou bastante. Errou muito quando aceitou, por exemplo, que durante três meses o relator designado negociasse pelos jornais mais um cargo e o governo não dava. Depois deu. Não creio que seja esse o caminho.
[ José Dirceu ] Chegou muito tarde no Senado e lá o governo tem que constituir maioria. O governo perdeu tempo negociando. Devia ter negociado logo para obter e provar maioria dentro de sua base de apoio, antes de negociar com senadores novos na base, como Romeu Tuma, que acabou de sair do DEM, e com alguns outros que trocaram de partido. Isso criou uma nova realidade no Senado. Nunca tive ilusão e, inclusive, três dias antes falei: vão rejeitar.
[ Ciro Gomes ] Sem dúvida.[ José Dirceu ] Eles (os recém chegados à base) não tem responsabilidade. Eles só não rejeitam a DRU porque, de certa maneira, isso pode favorecer o governo. [ Ciro Gomes ] Evidentemente. Sem a DRU você atinge o coração da coalizão dominante na hegemonia moral e intelectual do país.
[ José Dirceu ] Só não rejeitam por isso.
[ Ciro Gomes ] A natureza ideológica da decisão é muito clara. Não tem incoerência nenhuma. Você tira a CPMF e isso quer dizer o quê ? Você subtrai um tributo que cai sobre 14% da população, aquela que transaciona financeiramente. Se você imaginar uma pessoa que transacione nos bancos com cheques R$ 100 mil, está falando de R$ 380 (pagos de CPMF por essa pessoa) por ano. Quantos brasileiros transacionam R$ 100 mil por ano e são, a partir desse ponto de corte, responsáveis por pagar R$ 380,00, que vão para a saúde, aposentadoria e Bolsa Família. E a DRU é tirar dinheiro da saúde, da educação para o mesmo destino.
[ José Dirceu ] Eu já disse no meu blog que eles não derrubam a DRU porque ela é que garante o superávit nesse país dos juros. O que eles fizeram na verdade foi um grande favor. Mas, vamos falar um pouco de reformas política e tributária.
[ Ciro Gomes ] As duas têm uma contradição que a gente precisa analisar com muita paciência. Não aconteceu ainda uma reforma política ou uma reforma tributária, porque, se gente fizesse, vão dizer o seguinte: “houve um dia em que aconteceu e foi feito pelo governo Lula....”. Mas, nós estamos nos aperfeiçoando politicamente faz tempo e, também, a tributária.
[ José Dirceu ] Não é a reforma tributária que se deveria fazer.
[ Ciro Gomes ] Mas o Fernando Henrique pegou a carga tributária brasileira com 27% do PIB e entregou para Lula com 35%. Se o nome disso não for reforma tributária, o que é? Agora, não dá para dizer que o governo Lula é o culpado por não fazer. Em oito anos, a carga tributária subiu de 27% para 35% do PIB. Nesse mesmo período, a dívida pública subiu de 36% para 58% do PIB, se venderam US$ 100 bilhões de patrimônio público estatal brasileiro, e o país entrou num colapso de infra-estrutura. Não bastasse, perdemos um terço dos mestres e doutores das universidades públicas, enfim, essa é a realidade dessa gente que está fazendo esse movimento todo.Voltando a questão, afirmo que há uma inerência, que chamo de paradoxo da legitimidade. Basicamente, na questão política é a institucionalidade vigente, que gera representação política. E esta, por sua vez, detém o monopólio da reforma institucional. Na minha opinião, a solução é fazer uma reforma política, em tese, para vigir daqui a 5, 4 ou 3 eleições.
[ José Dirceu ] Como foi com a cláusula de barreira, que depois caiu.Plebiscito e referendo no Brasilviraram sinônimos de chavismo.
[ Ciro Gomes ] O Supremo derrubou. Ou mandar isso ao plebiscito, ou a referendo.
Mas no Brasil agora se quer transformar plebiscito numa questão de chavismo.
[ José Dirceu ] Como se fosse antidemocrático.
[ Ciro Gomes ] Antidemocrático ou uma questão autoritária. Vivemos agora essa contradição. Na questão tributária temos dois problemas: um é o patrimonial – a carga tributária cresceu não porque os serviços ou a presença do Estado cresceram. Na verdade, estão muito aquém do mínimo necessário para o Brasil em questões básicas, como educação, saúde e segurança pública. O outro problema é o pacto federativo dilacerado. Então, não haverá reforma tributária. Não adianta. Qualquer um de nós é capaz de ajuizar uma reforma.
O IVA é um tributo que, tecnicamente, deve ser cobrado no destino, porque é um tributo sobre o consumo. É um tributo moderno no mundo inteiro. O problema aqui é que São Paulo, que concentra 42% da produção industrial do país, agüenta que ele seja implantado? E você não pode quebrar São Paulo, porque quebrar São Paulo é quebrar o Brasil também. Então não é (uma coisa) trivial. É muito melhor a gente ir aperfeiçoando as reformas, na minha opinião, de maneira orgânica, com começo, meio e fim.
Por exemplo, nós achamos que o financiamento deve ser público para as campanhas. Mas aí o PFL vai pro povão e diz: "como é que pode? Falta dinheiro para a saúde, para os hospitais e esses políticos querem agora tirar dinheiro da saúde para financiar foguete, camiseta, palanque e showmício?" Pronto, nós perdemos a discussão.
[ José Dirceu ] Mesma coisa com o voto em lista. Vai fortalecer a estrutura burocrática dos partidos.
[ Ciro Gomes ] Em parte, é verdade. O Roberto Freire é dono do PPS. E acabou. Na Constituição vigente os partidos são organizações da sociedade civil. A interatividade estatal sobre os partidos se dá exclusivamente na transferência do fundo partidário e na sua fiscalização. Mais nada. Se você faz um sistema de lista fechado, os partidos passam a ter ordem pública nas suas organizações, uma interatividade mais sofisticada. Mas isso tudo está em discussão.
[ José Dirceu ] A fidelidade acaba também tendo um corte.
[ Ciro Gomes ] Tem um corte seletivo. É o despotismo esclarecido. No Brasil nós temos uma meia dúzia de pessoas, não duvido que bem intencionadas, que acham ter a solução para as nossas contradições. E essas soluções são lusitanas, são sempre uma lei. Sempre acham que a contradição da sociedade vai ser resolvida por uma lei que pega ou não pega.[ José Dirceu ] Eu concordo e não tenho dúvidas, porque o Senado aprovou a reforma política que não atinge senador.
[ Ciro Gomes ] Não aprovou.
[ José Dirceu ] Aprovou a dele. Não acabou com o suplente, não discutiu o papel do Senado. Aprovou tudo o que servia para a Câmara e não há maioria na Câmara para aprovar isso. O principal problema que eu vejo é que precisamos ganhar a opinião pública para a reforma.
[ Ciro Gomes ] Claro. Ou vai à plebiscito ou faz o despotismo esclarecido, transige e joga o ideal para daqui cinco eleições. Cada um de nós esquece a conjuntura, ou deixa assim. Ou faz uma reforma só dizendo o seguinte: ninguém mexe mais, vai ser essa regra aí, faz sempre eleições com ela.
[ José Dirceu ] Coalizão. Nós tivemos no Brasil, pela primeira vez, a expectativa de formar algum tipo para além da base de apoio, para além da aliança parlamentar para apoiar o governo, a idéia de formar uma coalizão. Na minha opinião, não existe coalizão alguma.[ Ciro Gomes ] É a minha também.
[ José Dirceu ] Não se criou nada.
[ Ciro Gomes ] Você não tem a hegemonia moral, nem intelectual, e nem um lugar para ajuizar isso. Se tivesse a gente tinha ido para o povo nesse negócio da CPMF. Qual o papel que a população tem no processo político real do país? A população só é chamada para votar nas eleições. Acabou as eleições nós vamos fazer aqui no Congresso Nacional, o que der na nossa cabeça. Coadjuvados pelo partido da imprensa.
[ José Dirceu ] O mais poderoso.
[ Ciro Gomes ] É verdade.
[ José Dirceu ] Eu vejo que uma coalizão teria que ter instâncias, deliberar, discutir as políticas de governo, dirimir, escolher candidato. Eu pego a Concertación do Chile. É verdade que esta coalizão já vai para 20 anos daqui a pouco. Disputou várias eleições, já elegeu presidente quase que dos 3 partidos que pertencem à coalizão. Porque no Brasil, ou nós vamos ter isso ou nós vamos ter uma maioria de dois, três partidos, nós vamos lutar para que dois ou três partidos formem 251 deputados, 41 senadores, nós vamos continuar vivendo isso.Se nós somarmos a estrutura política como é – mandato individual praticamente, financiamento privado – somarmos essa realidade de que ninguém, nenhum partido faz maioria, os governos vão depender de nomeação para cargos, depender de emenda parlamentar. E é muito bom se ficar só nisso.
[ Ciro Gomes ] Era muito bom se ficasse só nisso.
Uma coalizão política tem que ter uma estratégia de país.
[ José Dirceu ] Como você vê hoje o diálogo entre o PT e o PSDB?
[ Ciro Gomes ] Está bem melhor do que esteve num certo momento. Eu mesmo atuei muito fortemente porque temi muito aquilo que eu disse (o golpe), temi que os “respeitáveis” pudessem pegar o estratégico, o grave, o transcendental do país. Existe uma pequena nuance que nós precisamos estabelecer. Uma coisa é um governo sediado, como é o governo Lula, precisando tocar, solucionar os negócios do Estado hoje, agora. E é necessário – e agora, de novo, a dramaticidade da CPMF revela isso. As questões de Estado possuem essas emergências, essas complexidades, que exigem construção de maioria.
Uma coalizão política tem que ter uma estratégia de país. Por exemplo, o PT tem direito, ou tinha naquela época, de canibalização, de escolher o presidente da Câmara? Quem diz que sim, quem diz que não? E como se pode dizer que não? É o maior partido, o partido do presidente, por quê não tinha o direito? Agora, o PC do B, um partido aliado, tinha o presidente da Câmara. Tinha direito de aspirar permanecer naquele lugar? Tinha, por que não?
Como não há um instrumento claro e havia um quadro complexo, nós fomos divididos para esse embate dando prevalência as terceiras forças, que podem ser parceiras, mas que não partilham da mesma hegemonia moral e intelectual que nos reuniu num amplo espectro de centro à esquerda, com um pouco mais de ideologia, um pouco mais de preocupação estratégica, um pouco mais de ética. E naquele momento, houve essa confusão grave. Graças aos mesmos valores, isso está bastante atenuado hoje.O que está em jogo é grave.
[ José Dirceu ] O mesmo problema aconteceu com a disputa dentro do PT entre o Luiz Eduardo Greenhalgh com o Virgílio Guimarães. Houve a vitória do Severino, que a direita apoiou,jogou no nosso colo e nós não o apoiávamos. Mas ficou como se o Lula, o PSB e PC do B tivessem posto o Severino lá.
[ Ciro Gomes ] A idéia era botar o Severino para conceber o impeachment do Lula. A nossa sorte é que o Severino aderiu a nós.
[ José Dirceu ] A verdade é essa, nua e crua.
[ Ciro Gomes ] Eu me lembro que o Severino foi recebido com palmas, gente de pé, na FIESP. Lembro bem, a minha memória é implacável.
[ José Dirceu ] Nós estamos vivendo essa manipulação agora no Brasil, aberta e pública. Ela é feita com relação a disputas internas no PT, a uma série de denúncias, ao sistema eleitoral. Todos que são contra o chamado campo majoritário ganham manchetes nos jornais. Já quem não aderiu ao discurso da mídia, à moralidade udenista, não sai uma linha na imprensa.
[ Ciro Gomes ] Saiu uma lista discretíssima com tributos para a fundação do Fernando Henrique Cardoso, com valores inacreditáveis de R$ 500 mil da Sabesp. Inacreditáveis 500 mil reais da Sabesp.
[ José Dirceu ] Vamos tratar de uma última questão, Presidência da República em 2010. Eu concordo com o que você disse: o que interessa é o projeto, a continuidade de uma coalizão, que pode ser maior ou menor. É a garantia de que vamos realizar outro movimento, aprofundar as mudanças, que começaram com o primeiro mandato do Lula. Você vê chance de nós conseguirmos estabelecer, pelo menos entre o PT, PC do B, PSB, um espaço para isso?
[ Ciro Gomes ] Eu acho que não estaremos à altura da responsabilidade que o país espera de nós neste momento se nós não fizermos isso. O que está em jogo é grave. Primeiro, institucionalizar o avanço, que depende muito da personalidade do presidente Lula. Por exemplo, enquanto o Banco Central trabalhou, nesses quatro primeiros anos, para enxugar o crédito, Lula foi na contramão, pessoalmente, para expandir o crédito – para a agricultura familiar; para aposentados e servidores públicos, para a construção civil, que vive o momento mais rico na história do Brasil. Tudo isso eu vi o presidente Lula bancando na contramão, pessoalmente. No entanto, isso é muito débil do ponto de vista estratégico, de políticas públicas. A grande tarefa é institucionalizar.
A segunda grande tarefa é projetar a estratégia de desenvolvimento do Brasil, que o presidente Lula também já deu os indícios. Nós desmoralizamos a lógica neoliberal de não planejamento. O PAC é muito mais importante porque afirma a coordenação estratégica, o planejamento, do que propriamente pelo dinheiro. É um encerramento desse equívoco grave que quase arrebenta o país. É preciso fazer disso uma estratégia geral porque não vamos superar o GAP (atraso) tecnológico sem coordenação desse tipo; não vamos ser, enquanto país, protagonistas globais, se não fizermos isso.
E a terceira tarefa é não deixar – essa é tática, mas é grave – é não deixar a coalizão anti-povo, anti-nacional, voltar. E, por uma série de questões, eles são os favoritos. Tenhamos humildade, porque a disputa pela derrota é imbecil, além de irresponsável para com o país. Temos que dar uma certa faixa de autonomia ao Lula (no processo em 2010), porque a grande tarefa hoje é garantir que o presidente seja o protagonista que, espero, e que ele precisa ser.
Comentário do blogueiro: clareza nas idéias do presidenciável Ciro Gomes. Alguns candidatos que se colocam fogem dos principais debates nacionais, mais felizmente não é esse o caso de Ciro Gomes.

quarta-feira, dezembro 26, 2007

Deu no Blog dos Blogs: Se é para vencer, o nome é Patrus

Durante uma audiência na Câmara, o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, foi surpreendido por uma declaração do deputado Inocênio Oliveira (PL-PE), uma das maiores raposas do Congresso, e especalista na arte de sentir para onde sopra o vento:

"Faço tudo o que o Lula mandar, mas tenho a minha preferência, e ela está nesta mesa"।Inocêncio referia-se ao ministro. Dizia, em outras palavras, que seu candidato a presidente é Patrus Ananias.

Pois estive conversando com alguns caciques dos partidos aliados ao governo justamente sobre isso: o sucessor de Lula। A turma não gosta de falar sobre isso abertamente. Então foram conversas "off the records". Mas posso garantir que eram cabeças coroadas do PMDB, do PSB, do PR e do PTB.

Reservadamente, o que tenho ouvido é o seguinte: Lula pode preferir lançar a ministra Dilma Roussef como sua candidata, ou pode até deixar o PT lançar a ministra do Turismo, Marta Suplicy। Mas se ele quiser mesmo vencer as eleiçõe, o nome é Patrus Ananias.

Mineiro, o petista Patrus sairia já com apoio do vice-presidente José Alencar e do minisro das Comunicações, Hélio Costa, podendo até obter uma sutil e quase-explícita simpatia do governadr tucano Aécio Neves e do ex-presidente Itamar Franco, praticamente unificando Minas Gerais। Não há eleição presidencial que não passe por Minas.

Patrus, para quem não atenta, é o homem do Bolsa Família। Hoje, praticamente desconhecido. Mas fortíssimo, na hora em que começar a ser apresentado ao eleitorado pobre como o "Homem da Bolsa".

Pois é. Ouvi e registrei. Mas ainda acrescento outra formulação: se Lula não escolher Patrus, se insistir, por exemplo, numa burocrata como a Dilma ou num nome cheio de rejeição como a Marta, ele na verdade estará apostando em outra direção. Estará torcendo pela vitória de José Serra.Não é impossível. Afinal, presidentes da República são figuras esquisitas. O antecessor de Lula, Fernando Henrique Cardoso, fez que apoiava Serra, mas torcia mesmo por Lula (depois se deu mal, mas isso é outra história). Lula também pode achar que um sucessor oposicionista é melhor do que qualquer governista...

Comentário do blogueiro: Inocêncio Oliveira está certíssimo. Patrus é o melhor nome no bloco governista para vencer as eleições contra o candidato da oposição José Serra (porque, sabe-se, esse será o candidato do PSDB). Ciro Gomes lhe falta a musculatura do PT. No PT, falta muito carisma e principalmente jogo de cintura à Dilma. E a Marta ainda precisa reduzir bastante sua rejeição (embora o índice de rejeição não é algo estático como alguns tentar iludir). E continuaria sendo uma disputa paulista, o que faria com que o candidato Serra saísse com grande vantagem. Já o ministro-candidato Patrus, tem carisma, mas é pouco conhecido. Mas isso não é um grande impeditivo. Bastaria colocá-lo mais forte na mídia. Com habilidade poderia unir Minas Gerais, e buscar o fortalecimento de sua candidatura nas regiões Norte e Nordeste. Mas isso é outra história.

segunda-feira, dezembro 24, 2007

Deu hoje no Estadão: Preparando a guerra

Oposição planeja fazer Lula 'sangrar' sem trégua até 2010

Ana Paula Scinocca, no "Estadão" de hoje

Depois de derrotar o governo e pôr fim à CPMF, a oposição pretende daqui para a frente aproveitar todas as chances de desgastar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Isso tem uma razão: evitar que, em 2010, Lula ainda tenha silhueta de candidato ou de forte cabo eleitora.
Líderes do PSDB e do DEM, os dois principais partidos da oposição, sabem que não podem repetir o erro cometido em 2005. À época, acharam que o desgaste natural de Lula no escândalo do mensalão iria prejudicá-lo na campanha à reeleição. Não foi o que se viu. Agora, caciques e parlamentares das duas siglas estão convencidos de que precisam trabalhar com os erros do adversário.

Dois dos principais estrategistas da oposição, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e o ex-senador e ex-presidente do DEM Jorge Bornhausen estão convencidos de que o governo não pode ter uma agenda positiva. Eles acham que o desgaste de Lula é a única maneira de os dois partidos chegarem a 2010 com alguma chance de voltar ao poder. Embora ressalve que o petista não tem perfil de ditador, Fernando Henrique tem expressado o temor de o PT, na ausência de um candidato de peso, ressuscitar a tese do terceiro mandato.

“Lula não pode chegar em 2010 com a popularidade de 60%. Se repetir o fenômeno Aécio Neves em Minas, que sem oposição tinha bons índices de popularidade, ninguém supera o PT no próximo pleito”, afirmou o novo presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), em conversa informal no cafezinho do Senado na segunda-feira.

O DEM vai aproveitar a temporada de combate ao PT para fazer renascer as idéias liberais que deram origem ao partido. O combate ao aumento de impostos e à gastança do governo foi uma pitada inicial do que vem por aí.

O partido pretende ataques mais ousados , em 2008, mas sem dar ao governo o discurso de que a oposição aposta no quanto pior, melhor. “Não temos de fazer essa linha. A oposição tem de administrar o seu dia-a-dia e trabalhar com os erros e fraquezas do governo”, analisa o senador Heráclito Fortes (DEM-PI). Ele afirma que não foram os oposicionistas que articularam a derrota do Planalto no Senado com a derrubada do imposto do cheque.

“Foi o governo que perdeu, pois não conseguiu unir sua base e ter 49 votos para aprovar a CPMF”, completa.

O prefeito do Rio, César Maia (DEM), afirma que 2008 é um ano “muito importante” para a oposição. “A base do governo se fraciona nas eleições municipais, pois estas são vitais para as eleições a deputado federal e estadual dois anos depois”, argumenta. “Com a base do governo fracionada a oposição terá um ano, de julho de 2008 a julho de 2009, até que as feridas da base sejam cicatrizadas. É saber aproveitar.”
Comentário do blogueiro:
Como se vê, a oposição não tem tanta certeza da vitória em 2010 como alegam os noticiários de jornais. O fato do PT não ter candidato natural não significa derrota prévia. Como sabemos que o fenômeno de transferência de votos existe (só não transfere quem não tem votos para transferir) - o maior cabo eleitoral de 2010 ainda é Lula. E por esse motivo, o melhor para a oposição é enfraquecê-lo para a reconquista do poder.

Comentários sobre a troca de cartas entre Letícia Sabatella e Ciro Gomes

Este texto começou com alguns comentários sobre a transposição do rio São Francisco que surgiram da leitura da carta do deputado Ciro Gomes à atriz Letícia Sabatella. Com a resposta da atriz ao deputado, resolvi desenvolver melhor o texto, após reflexões sobre a transposição e a greve de fome de Dom Luis Cappio.
É certo que a greve de fome de Dom Cappio acabou, mas não a discussão sobre a transposição do Rio São Francisco. De início, não queria entrar muito nesse debate. Uma razão é que sou leigo no assunto, assim como a grande maioria dos brasileiros (inclusive dos que debatem fervorosamente). Mas a razão principal é que o debate fugiu à racionalidade, com pitadas de "messianismo puro". Não sei dizer com certeza se vale ou não à pena fazer a obra. Se as alternativas colocadas com relação à transposição (ou integração de bacias) são realmente viáveis. Se elas teriam ou não o mesmo impacto para a população do semi-árido nordestino. Da mesma forma, não sei dizer com convicção se o dinheiro a ser gasto na transposição é muito elevado. Se não seria suficiente para atingir o mesmo resultado com outros projetos (e talvez gastando menos). Se o tal projeto alternativo da Agência Nacional das Águas (ANA) - se é que existe mesmo, pois parece ser apenas um Atlas - é mesmo viável, melhor, mais econômico e potencialmente obtém resultados equivalentes (ou maiores).

Para início de conversa, não gosto do argumento puramente econômico. Ele tem um viés de origem. O governo gastar alguns bilhões para beneficiar 12 milhões de nordestinos da região pobre do semi-árido não é democrático (é gastança exagerada). Por outro lado, duvido que o mesmo questionamento estivesse sendo feito se a destinação do recurso tivesse como beneficiários uma parcela de moradores da região sul e sudeste. Seriam mais produtivos. Isso é no mínimo questionável. O que parece claro é que a transposição não inviabiliza outros projetos que poderiam amenizar o problema humanitário, como a construção de cisternas ou de reservatórios para guardar a água da chuva.

Parece-me pouco lógico a idéia de que tirar 1,5% do volume de água do rio, quando ele está quase desaguando no mar, em Sergipe - o Rio nasce em Minas Gerais -, pudesse levá-lo à ruína. Isso não tem o menor cabimento. E também fiquei sabendo que alguns contrários ao projeto justificam seu argumento sob o pretexto de que a água desviada do São Francisco não servirá para matar a sede dos nordestinos, mas para projetos agroindustriais (fruticultura, por exemplo) e siderúrgicos. Como supostamente a transposição não serviria para questões humanitárias (matar a sede), o que ela faz é beneficiar os mesmos de sempre (os velhos coronéis). Desconfio da tese. Quer dizer que se for para questões humanitárias o projeto não prejudicará o rio. O problema é o desvio da água ou sua destinação? Não entendi tal argumento.

Na minha opinião, o problema do nordestino do semi-árido sempre foi de renda (ou melhor, aquela renda incapaz de suprir necessidades mínimas). Ele tem que escolher entre comprar água ou comida. Por isso, acaba vivendo com uma quantidade insuficiente de água e de comida. Se o projeto de transposição do rio ajudar a gerar renda na região do semi-árido (não estou falando que isso acontecerá), não tenho dúvida de que isso trará benefício para todos os que residem naquela região. Não há muito sentido assumir posição contrária a um projeto porque não servirá apenas para matar a sede, mas para gerar desenvolvimento na região. Sempre acreditei que desenvolver a região fosse interesse da maioria, que acabaria se beneficiando.

Agora, pensando politicamente na questão do rio (não do projeto). Acredito ser bem mais viável uma solução para a preservação das nascentes do Rio São Francisco com a transposição do que sem ela. No meu entendimento, a transposição fortalece politicamente a defesa do rio (e de suas nascentes), não o contrário. Como sei que Dom Cappio é um líder religioso inteligente, bem informado e politicamente inserido, não consigo entender claramente suas razões (ou objetivos). O que estaria por trás de seu sacrifício? Não estou dizendo que ele não tenha razão. Apenas que não há clareza nesse sentido.

O que não pode acontecer é um assunto dessa importância ser discutido como um Fla x Flu. Ou um plebiscito sobre a atuação do governo junto aos movimentos sociais. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Nessa linha, acabam-se unindo gente que não tem qualquer ponto em comum. Ou nenhum motivo para caminharem juntos. Entram aqueles que são oposição ao governo (e só isso). Outros que não querem que o governo gaste tanto dinheiro na região nordeste (sei lá porque). E ainda legítimos movimentos sociais, inclusive alguns que não têm qualquer idéia sobre transposição. Realmente, o ponto de partida dos que se opõem ao projeto de transposição não é bom. Deveriam melhorar bastante seus argumentos. Não quero dizer que o projeto seja bom ou ruim. Apenas que precisam de justificativas mais aceitáveis. Não oposição pura e simplesmente.

domingo, dezembro 23, 2007

Do Blog do Desemprego Zero: Resposta de Letícia Sabatella a Ciro Gomes publicada no O Globo

Como esse blog é democrático, na medida que publiquei a carta do deputado Ciro Gomes à atriz Letícia Sabatella, também publico agora a resposta da atriz ao deputado.

Escrito por Imprensa em dezembro 23, 2007

LETÍCIA SABATELLA

Caro deputado Ciro Gomes,

Antes de visitar frei Luiz Cappio em Sobradinho, tinha conhecimento desse projeto da transposição de águas do Rio São Francisco, através da imprensa, e de duas conferências sobre o meio ambiente, das quais participei a convite de minha querida amiga, a ministra Marina Silva. Há alguns anos, quieta também, venho escutando pontos de vista diversos de ambientalistas, dos movimentos sociais, de nossa ministra do Meio Ambiente e refletindo junto com o Movimento Humanos Direitos (MHuD), do qual faço parte.

Acompanho a luta de povos indígenas e ribeirinhos, sempre tão ameaçados por projetos de grande porte, que visam a destinar grande poder para um pequeno grupo em troca de tanto prejuízo para esses povos, ao nosso patrimônio social, ambiental e cultural.

Acredito que devam existir benefícios com a transposição, mas pergunto, deputado, quem realmente se beneficiará com esta obra: o povo necessitado do semi-árido ou as grandes irrigações agrícolas e indústrias siderúrgicas? Afinal, a maior parte da água (bem comum do povo brasileiro) servirá para a produção agrícola e industrial de exportação e apenas 4% dessa água serão destinados ao consumo humano.

Sabendo do desgaste que historicamente vem sofrendo o rio, necessitado de efetiva revitalização, sabendo do custo elevado de uma obra que atravessará alguns decênios até ser concluída e em se tratando de interferir tão bruscamente no patrimônio ambiental, utilizando recursos públicos, por que razão, em sendo sua excelência deputado federal, este projeto não foi ampla e especificamente discutido e votado no Congresso? Por qual motivo essa obra tão “democrática” foi imposta como a única solução para resolver a questão da seca no semi-árido, quando propostas alternativas, que descentralizam o poder sobre as águas, não foram levadas em consideração? No dia 19 de dezembro de 2007, o que presenciei na Praça dos Três Poderes, em Brasília, foi a insensibilidade do Poder Judiciário, a intransigência do Poder Executivo, e a omissão do Congresso Nacional. Será que não precisamos mesmo falar mais sobre democracia republicana, representativa? Ou melhor, praticar mais? Quanto ao gesto de frei Luiz, sinto que o senhor não age com justiça, quando não reconhece na ação do frei uma profunda nobreza. Sinto muito que o senhor ainda insista em desqualificálo. Por tê-lo conhecido e com ele conversado, participado de sua missa na Capela de São Francisco junto aos pobres, pude testemunhar sua alma amorosa e plena de compaixão humana, pastor de uma Igreja que mobiliza e não anestesia, que ajuda a conscientizar e formar cidadãos. Ele vive há mais de trinta anos entre ribeirinhos, indígenas, trabalhadores rurais, quilombolas e é por eles querido e respeitado.

Conhece profundamente as alternativas propostas pelos movimentos sociais, compostos por técnicos e estudiosos que há muitos anos pesquisam o semi-árido. Uma dessas alternativas foi proposta pela Agência Nacional de Águas, com o Atlas do Nordeste, que foi objeto de seu debate com Roberto Malvezzi, da Comissão Pastoral da Terra, cuja honestidade intelectual o senhor publicamente enalteceu em seminário realizado na UFF. Ele mostrou que o projeto da ANA custaria R$ 3,3 bilhões, metade do custo da transposição, beneficiando com água potável 34 milhões de pessoas, abarcando nove estados: então, por que o governo não levou em consideração esta opção mais barata e mais abrangente? Infelizmente, caro deputado, Dom Cappio não exagerou quando decidiu fazer seu jejum e fortalecer suas orações para chamar a atenção de todos à realidade do povo nordestino. O governo do presidente Lula optou por um modelo de desenvolvimento neocolonial que, dando continuidade à tradição de realizar grandes obras para marcar seus mandatos, sacrifica o povo com o custo de seus empreendimentos, enquanto o que esperávamos deste governo era a prática de uma verdadeira democracia.

Rio de Janeiro, 20 de dezembro de 2007

Letícia Sabatella

sábado, dezembro 22, 2007

A indignação é sempre seletiva

É preciso tomar cuidado com os indignados, que estão sempre dispostos a transformarem comoção em fato político de primeira grandeza. A origem da indignação geralmente extrapola o fato em si, recheando-se de sentimentos menos nobres como “ódio” ou pura raiva. Só Freud poderia explicar tanta indignação, mesmo em situações que podem gerar comoções. Interessante é que muitos dos indignados não conseguem nem se comoverem com situações cruéis, por estarem ocupados em aproveitar o momento para marcar posição frente ao adversário em sua trincheira política. A raiva e o ódio estão fora de moda na política. Perderam o charme, e não é mais funcional. Talvez isso explique porque apenas segmentos da direita mais conservadora e da esquerda radical teimam em cultivar tais sentimentos no ambiente político. São segmentos que perdem todas a eleições. Não vou discorrer sobre isso, mas sabe-se que o eleitor médio (que não se enquadra nos dois estereótipos) vence todas as eleições.
Fiz essa introdução para falar de duas matérias que saíram na imprensa igualmente comoventes: (1) a prisão de uma jovem menor de idade na cela com homens no Pará; e (2) o assassinato sob tortura de um jovem de 15 anos cometido por seis militares policiais de São Paulo. E confesso que fiquei comovido, não indignado. Não posso ficar indignado com acontecimentos que em certa medida já seriam do meu conhecimento (e da sociedade brasileira também). Sabe-se o bastante acerca das atrocidades cometidas por policiais e outras autoridades (inclusive o Judiciário) encarregadas de dar proteção à vida e à integridade física das pessoas sob sua guarda. Se eu tiver que ficar indignado, não preciso de notícia nova na imprensa. Os fatos por si só seriam suficientes.
Em relatório das Organizações das Nações Unidas (ONU), os presídios brasileiros foram classificados como uma verdadeira “praga”, e apontou a existência de “torturas sistemáticas” nas cadeias brasileiras. Segundo a maior autoridade de Direitos Humanos da ONU, Louise Arbour, é muito comum os abusos contras as mulheres nas prisões brasileiras e contam com a cumplicidade de policiais. São situações encontradas em todos os Estados e independem de coloração partidária. Portanto, tortura e abusos contra as mulheres seriam também do conhecimento de autoridades internacionais. No caso do Pará, o abuso teve como agravante o fato de ser contra uma menor.
O que me chama atenção é que os dois episódios são igualmente comoventes, mas apenas o primeiro causou indignação. Ninguém ficou indignado com o fato de um jovem de 15 anos, indefeso, ser torturado até a morte por policiais numa delegacia pública de São Paulo. A Folha de São Paulo, o Estadão e O Globo não ficaram indignados. O Jornal Nacional não achou que essa era uma matéria digna de passar no horário nobre. Os concorrentes do Jornal Nacional também não deram qualquer importância. Nenhum ilustre deputado ou senador pediu a abertura de CPI. Nem mesmo o delegado responsável foi demitido. Provavelmente o governador Serra nem ficou sabendo, e não tem qualquer responsabilidade política sobre o ocorrido.
É por essas e outras que desconfio dos indignados. Como eles não declaram publicamente o critério de escolha que os levam à indignação, não me sinto confortável em aderir à onda. Imagino que tenham uma causa, algum motivo oculto. Com certeza tenho algumas hipóteses para justificar a “pretensa indignação”. Como não gosto de ficar falando “em tese”, nem vou discorrer sobre minhas hipóteses. O importante é observar que a indignação é sempre seletiva. Ela protege os mesmos personagens. E descarrega sentimentos de “ódio” ou raiva numa só direção. É como o samba de uma nota só.

Carta do deputado Ciro Gomes à atriz Letícia Sabatella publicada no O Globo

Como nos últimos dias ficou acolarada a discussão acerca da transposição do rio São Francisco, principalmente por causa da greve de fome de Dom Cappio, achei interessante reproduzir a carta do deputado Ciro Gomes à atriz Letícia Sabatella.

Reproduzo a carta de Ciro Gomes.

Letícia,

Ando meio quieto por estes tempos, mas, ao ver você visitando o bispo em greve de fome no interior da Bahia, pensei que você deveria considerar algumas informações e reflexões. Poderia começar lhe falando de República, democracia, personalismo, messianismo… Mas, sendo você a pessoa especial que é, desnecessário. O projeto de integração de bacias do rio São Francisco aos rios secos do Nordeste setentrional atingiu, depois de muitos debates e alguns aperfeiçoamentos, uma forma em que é possível afirmar que, ao beneficiar 12 milhões de pessoas da região mais pobre do país, não prejudicará rigorosamente nenhuma pessoa, qualquer que seja o ponto de vista que se queira considerar.

Séria e bem intencionada como você é, Letícia, além de grande artista, peço-lhe paciência para ler os seguintes números: o rio São Francisco tem uma vazão média de 3.850 metros cúbicos por segundo (!) e sua vazão mínima é de 1.850 metros cúbicos por segundo (!). Isto mesmo, a cada segundo de relógio, o Rio despeja no mar este imenso volume de água.

O projeto de integração de bacia, equivocadamente chamado de transposição, pretende retirar do Rio no máximo 63 metros cúbicos por segundo. Na verdade, só se retirará este volume se o rio estiver botando uma cheia, o que acontece numa média de cada cinco anos. Este pequeno volume é suficiente para garantia do abastecimento humano de 12 milhões de pessoas.
O rio tem sido agredido há 500 anos. Só agora começou o programa de sua revitalização, e é o único rio brasileiro com um programa como este graças ao pacto político necessário para viabilizar o projeto de integração.
No semi-árido do Nordeste setentrional, onde fui criado, a disponibilidade segura de água hoje é de apenas cerca de 550 metros cúbicos por pessoa, por ano (!). E a sustentabilidade da vida humana pelos padrões da ONU é de que cada ser humano precisa de, no mínimo, 1.500 metros cúbicos de água por ano. Nosso povo lá, portanto, dispõe de apenas um terço da quantidade de água mínima necessária para sobreviver.
Não por acaso, creia, Letícia, é nesta região o endereço de origem de milhões de famílias partidas pela migração. Converse com os garçons, serventes de pedreiros ou com a maioria dos favelados do Rio e de São Paulo. Eles lhe darão testemunhos muito mais comoventes que o meu.
Tudo que estou lhe dizendo foi apurado em 4 anos de debates populares e discussões técnicas. Só na CNBB fui duas vezes debater o projeto. Apesar de convidado especialmente, o bispo Cappio não foi. Noutro debate por ele solicitado, depois da primeira greve de fome, no palácio do Planalto, ele também não foi. E, numa audiência com o presidente Lula, ele foi, mas disse ao presidente, depois de eu ter apresentado o projeto por mais de uma hora (ele calado o tempo inteiro), que não estava interessado em discutir o projeto, mas “um plano completo para o semi-árido”.
As coisas em relação a este assunto estão assim: muitos milhões de pessoas no semi-árido (vá lá ver agora o auge da estiagem) desejam ardorosamente este projeto,esperam por ele há séculos. Alguns poucos milhões concentrados nos estados ribeirinhos ao Rio não o querem. A maioria de muitos milhões de brasileiros fora da região está entre a perplexidade e a desinformação pura e simples. Como se deve proceder numa democracia republicana num caso como este?
O conflito de interesses é inerente a uma sociedade tão brutalmente desigual quanto a nossa. Só o amor aos ritos democráticos, a compaixão genuína para entender e respeitar as demandas de todos e procurar equacioná-las com inteligência, respeito, tolerância, diálogo e respeito às instituições coletivas nos salvarão da selvageria que já é grande demais entre nós.
Por mais nobres que sejam seus motivos - e são, no mínimo, equivocados -, o bispo Cappio não tem direito de fazer a Nação de refém de sua ameaça de suicídio. Qualquer vida é preciosa demais para ser usada como termo autoritário, personalista e messiânico de constrangimento à República e a suas legítimas instituições.
Proponho a você, se posso, Letícia: vá ao bispo Cappio, rogue a ele que suspenda seu ato unilateral e que venha, ou mande aquele que lhe aconselha no assunto, fazer um debate num local público do Rio ou de São Paulo.Imagine se um bispo a favor do projeto resolver entrar em greve de fome exigindo a pronta realização do projeto. Quem nós escolheríamos para morrer? Isto evidencia a necessidade urgente deste debate fraterno e respeitoso. Manda um abraço para os extraordinários e queridos Osmar Prado e Wagner Moura e, por favor, partilhe com eles esta cartinha. Patrícia tem meus telefones. Um beijo fraterno do Ciro Gomes
Ciro Gomes é deputado federal (PSB-CE) e foi ministro da Integração Nacional

quinta-feira, dezembro 20, 2007

Do Blog do Luis Nassif: A guerra do PSDB

Interessante a matéria do jornalista Luis Nassif sobre a guerra interna do PSDB. Veja o que ele escreveu:
"Em outubro do ano passado, em pleno processo eleitoral, um amigo procurou o governador eleito José Serra e o alertou: se não se afastasse de Fernando Henrique Cardoso, não teria chances. Por dois motivos. Primeiro, pela imagem que FHC deixou junto ao eleitorado, de maneira geral. Depois, porque jamais FHC o apoiaria para presidente da República.

FHC tem obsessão com sua própria biografia. Nas eleições de 2002, rifou Serra, jogou contra. Temia que um bom governo, depois dele, mostrasse as fragilidades de sua própria gestão. Apostava em um governo desastroso de Lula que, por efeito comparação, ajudaria a consagrar o seu e, quem sabe, abrir as portas para ressugir como o grande conciliador, a consertar os prováveis erros do PT.

O governo Lula não foi um desastre. O segundo governo Lula deverá ser melhor que o primeiro. Com exceção da imprudência do câmbio, seu sucessor receberá um país melhor do que o deixado por FHC. A eventualidade de uma eleição de Serra permitiria completar um ciclo virtuoso, com Lula lançando as bases de políticas sociais consistentes e iniciando investimentos consistentes em infra-estrutura; e Serra investindo nas reformas que faltam e em políticas desenvolvimentistas.

Serra não concordou com os argumentos. Alegou que FHC era seu amigo, que o apoiava contra Geraldo Alckmin e Aécio Neves. Na semana passada, a ficha caiu. O empenho com que FHC atuou para derrubar a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) não era parte de uma estratégia para derrotar Lula. A intenção era derrotar os governadores, como líder do PSDB.

Em outubro esse quadro estava claro. Com as eleições, mudavam as regras do jogo. Em tempos de paz, os governadores dão as cartas; em tempos de guerra, FHC e senadores. No dia seguinte à derrota da CPMF, FHC se apresentava como o líder da oposição, oferecendo a mão a Lula para uma conciliação. Arthur Virgílio, livre atirador, senador que já bateu no teto de suas ambições políticas, logo após a votação, admitia ter cumprido ordens de FHC e oferecia a conciliação.

Nenhum país do mundo conseguiu dar o salto sem a pacificação política interna. Foi assim com a Espanha, a Irlanda do Norte, com Portugal pós-revolução dos Cravos, com o Chile. O desarmamento de espíritos, a continuidade da política, a união em torno de objetivos comuns, são peças essenciais para o grande salto.Hoje em dia, se tem essas condições. Lula tem relações de amizade com Serra e cordiais com Aécio. Não interessa a nenhum deles instaurar um clima de guerra. Com o PT chegando ao poder, integrou-se ao jogo democrático a última peça que faltava.

Serra-Lula-Aécio têm muito mais afinidades entre si do que diferenças. As diferenças de Serra em relação ao governo Lula são as mesmas que tinha em relação ao de FHC: a submissão excessiva ao mercado. Na outra ponta, compartilha com Lula de preocupações sociais, da necessidade de políticas públicas mais ativas.

É esse o receio maior de FHC. Um eventual pacto entre duas forças progressistas exporia ainda mais as fraquezas de seu governo".

É como já disse em outra ocasião o mesmo Luis Nassif: "FHC é um ex-presidente dotado de nenhuma grandeza, nenhuma responsabilidade cívica". O Serra que se cuide.

terça-feira, dezembro 18, 2007

A OPOSIÇÃO e o governo Lula: QUAL A AGENDA?

Não é preciso salientar a importância que tem a oposição política para a democracia. Em artigo publicado dia 17/12/2007 no Valor Econômico, Delfim Netto discorre sobre esse papel da oposição, e lamenta a incapacidade de nossa oposição formular um projeto futuro para o país. O Brasil precisa avançar bastante em diversas áreas para tornar-se um país mais justo e de oportunidades para todos os brasileiros. Nossos indicadores sociais, embora houve avanços nos últimos governos, ainda estão muito distante daqueles que a nação possa se orgulhar.

A educação brasileira experimentou uma forte expansão a partir da segunda metade da década de 90, mas os indicadores de qualidade da educação continuam muito aquém do desejável. O Sistema Único de Saúde (SUS) propiciou saúde para todos os brasileiros, mas o atendimento ainda permanece precário. A segurança pública não consegue acompanhar o avanço do crime organizado. A previdência social apesar de consumir quantia considerável de recursos, não é capaz de dar um atendimento digno para os cidadãos. E para não dizer que ainda temos uma parte da população abaixo da linha de pobreza, persistindo ainda o cenário de elevada desigualdade social.

As questões elencadas acima poderiam fazer parte de uma agenda do futuro para a oposição. Porém, a oposição brasileira com apoio de segmentos importantes da mídia prefere inventar crises ou criar factóides como uma suposta “venezuelização” traduzida na idéia de que Lula quer um “terceiro mandato” (e um quarto, quinto, etc.). Além de subestimar a força das instituições brasileiras, a tese do terceiro mandato ignora a inteligência do presidente Lula (“subestima a inteligência do torneiro mecânico que tornou-se presidente”). A quem interessa esse tipo de terrorismo? Provavelmente aos mesmos segmentos políticos que na eleição de 2002 diziam que Lula levaria o país a uma crise semelhante à vivida pela Argentina na época. No lugar de uma agenda propositiva, surge o terrorismo político. E é incrível como ele teima em persistir.

Ao contrário do prognóstico terrorista da oposição naquela campanha, podemos ver que o país avançou muito no front econômico, apesar do câmbio valorizado e de um superávit fiscal que impeça avanços maiores no campo social. Como bem indicou Delfim Netto em seu artigo, FHC entregou para o presidente Lula um país falido. Quebrou o país duas vezes, e mesmo com as privatizações, a vulnerabilidade externa ainda era fortíssima no final de seu governo. É bom reproduzir os dados apresentados por Delfim Netto para mostrar a evolução obtida no governo Lula nesse quesito. São dados objetivos sobre a situação nacional em dezembro de 2002 e dezembro de 2007:

Os avanços na economia são percebidos pela população. E mesmo que exista muito a se fazer no campo social, também é inegável que houve avanços significativos nos programas sociais do governo. O programa Bolsa-Família foi grande responsável pela queda na desigualdade social. Além disso, criou-se um círculo virtuoso que favoreceu a geração de renda nas regiões mais pobres do país. O país hoje se acha socialmente mais justo. São avanços no campo social e econômico que torna o governo Lula bem avaliado pela maioria da população brasileira. Na última pesquisa CNI/IBOPE, algo em torno de 82% da população brasileira consideram o governo Ótimo/Bom/Regular (clique aqui para conferir a pesquisa). Em suma, o governo é bom. A oposição deveria tomar como partida os avanços do governo atual para construir sua agenda.

Reconhecer erros passados não é algo que se possa pedir aos políticos. Políticos são sempre circunstanciais. E não vou pedir isso à oposição. Mas ela deveria pelo menos construir uma agenda para entusiasmar o eleitorado, e o que não falta são temas a serem explorados. A agenda de redução do Estado que a oposição quer que o governo assuma não foi defendida nem pelo seu candidato em 2006. E derrrotados, querem que o governo assuma algo que não tiveram coragem de defender no processo eleitoral. Talvez a razão disso seja a constatação de que a maioria do eleitorado quer uma participação mais ativa do Estado, principalmente na saúde, educação e segurança pública. Não o contrário. Pelo visto, não há qualquer motivo para o governo assumir tal agenda.

O que se sabe é que a mera criação de factóides (“como o terceiro mandato”) não contribui em nada para a construção da agenda oposicionista. E subestima a inteligência da maioria do eleitorado, pois não é crível. Conforme assinalou Delfim Netto, isso coloca em dúvida a “solidez” das instituições democráticas do país. Semanas atrás o líder da oposição no Senado, Artur Virgílio, questionou a Desvinculação das Receitas da União (DRU), mecanismo criado por eles, sob o argumento de que seria dinheiro para os banqueiros. Como se vê, a oposição continua sem qualquer agenda, completamente perdida no discurso inócuo. Existem assuntos mais sérios (“ou simplesmente mais reais, menos virtuais”) a serem tratados pelos políticos. É o mínimo que se espera dos políticos.

segunda-feira, dezembro 17, 2007

CPMF: As verdadeiras razões da derrota

A derrota do governo na batalha da CPMF tem diversas explicações, mas elas só podem ser compreendidas em um contexto em que falhas na articulação política se depara com um cenário de disputa de poder no campo da oposição. Uma disputa capaz de unir a oposição. Dizer que o governo falhou é trivial. Um governo bem avaliado (e esse é o caso do atual, clique aqui para conferir a pesquisa) não perde uma votação dessa importância por que a oposição política resolveu radicalizar. Ela foi eleita para fazer o papel de oposição, não é sua obrigação e nem faz parte do seu DNA colaborar com o governo. E o governo foi eleito para fazer maiorias, sejam elas programáticas ou fisiológicas. Não se pode exigir da oposição qualquer trégua para o governo, pois o sucesso dele representa empecilho para a sua conquista do poder. Também não se pode exigir do governo coerência política na formação de alianças, pois governos têm interesses, coincidentes ou não com os da maioria do eleitorado. Um governo quando se afasta muito do interesse da maioria do eleitorado, se enfraquece. O mesmo vale para a oposição. Sempre existirá espaço para a negociação política entre governo e oposição. Os interesses de ambos podem entrar na mesma rota. O que o governo não pode é depender dela é um tema dessa importância para o governo.

Evidentemente que se o governo tivesse fechado um acordo com o PSDB, viabilizando a aprovação da CPMF, esse texto nem estaria sendo escrito. Buscar um acordo com o PSDB não foi erro. Afinal, governo e oposição podem conversar, buscarem pontos de confluência política. Isso faz parte da democracia. Apostar as principais fichas nesse acordo é que um erro. A vulnerabilidade da aposta no PSDB não pode ser atribuída apenas a seus problemas internos, em função da afirmação de novas lideranças. É que acordos entre governo e oposição são viáveis em poucas circunstâncias. A primeira é quando a matéria provoca um desgaste na base de apoio do governo, mas o mesmo não acontece com a oposição, que pode inclusive ampliá-la. Esse foi o caso da reforma da previdência em 2003. Uma outra possibilidade é quando a matéria em tramitação no Congresso não pode ser capitalizada politicamente com facilidade. É o caso de haver ganhadores e perdedores na base de apoio do governo e da oposição. Um bom exemplo disso é a reforma tributária. Embora existem diferenças em sua concepção nos partidos políticos, não é isso que impede que ela seja aprovada. O que trava a sua aprovação são as diferenças regionais. E, em menor escala, as diferenças entre os diferentes setores da atividade econômica. É importante ter em mente que toda vez que for conveniente para a oposição uma maior radicalização, ela assim o fará. E isso vale para qualquer partido político. E não apenas para o PT como apregoa parte de nossa imprensa. É a disputa pelo poder. É esse o objetivo de qualquer partido político.
Dizer que o PSDB ganharia com a aprovação da CPMF porque tem a expectativa de poder não é de todo verdadeiro. Faria sentido num governo fraco, porém não é esse o caso. Poder-se-ia dizer que o PSDB tem os votos dos eleitores do Estado mínimo e menos impostos. Faltaria ao partido estabelecer conexões com a outra parte do eleitorado, a maioria, que querem mais educação, saúde, bolsa família - mais Estado. Essa parte majoritariamente aprova o governo. Contra a CPMF, o PSDB não acresce nada à sua base, e ainda perde a oportunidade de estabelecer essa conexão. É uma tese, mas discutível. Que o PSDB precisa dialogar com esse eleitorado é fato, mas não significa colaborar para o sucesso do governo. Eleição tem sempre alto grau de incerteza. E quanto pior a avaliação do governo, melhor é a capacidade de a oposição retomar o poder, não o contrário. Contar com a vitória antecipada e a incapacidade de um governo bem avaliado formar uma candidatura competitiva não é recomendável. O melhor cenário para a oposição é enfraquecer o governo.

Sendo um governo que tem seu apoio no eleitorado que quer mais Estado (repita-se, a maioria), a aprovação da CPMF reforçaria seu cacife político. O governo poderia manter intacto o PAC, e sobraria dinheiro para injetar recursos na saúde, educação, segurança pública, bolsa família, etc. E ainda poderia continuar com as desonerações da folha de pagamento e de alguns setores produtivos. São questões que reforçam a sua base de apoio, não a da oposição. Alguém poderia dizer que o PSDB teria elevado os recursos para a saúde. Isso é irrelevante para a população em geral, principalmente para os usuários da saúde pública. O que importa é se a saúde pública está ou não melhor. Com uma boa expansão dos recursos, mesmo havendo desperdícios, o cenário para a saúde é melhor. É isso que importa. É o governo que seria aprovado. Somente parte da classe média que não usa o sistema público de saúde (e também não vota no governo) que daria ao PSDB os louros da vitória. Mas qual seria o ganho político do PSDB.
A tese de que a CPMF só seria aprovada com os votos da oposição é bastante parcial. Era possível vencer a batalha sem votos do PSDB ou DEM. Porém, em outra lógica de articulação política. Os esforços deveriam concentrar-se na base, não na oposição. Há um problema de articulação política no governo, que privilegia a negociação individual com os senadores em detrimento da institucional com os partidos ou lideranças. A política nos ensina que uma não exclui a outra, mas deve-se atentar para seus resultados. O Ministro Mares Guia abandonou completamente a negociação institucional. Na Câmara, em que há uma maioria folgada e alguns articuladores políticos, isso nunca foi um obstáculo. Porém, o Senado Federal é bem mais complexo, a maioria governista é frágil, e faltam articuladores políticos confiáveis. Ao se observar o painel da votação da CPMF, vê-se com clareza que a falha foi de articulação com a base (e não com a oposição). O governo cedeu praticamente tudo para o PSDB, porém não tinha como oferecê-lo integralmente a vitória política.
O governo converteu votos favoráveis à prorrogação da CPMF de ferrenhos críticos. É o caso da bancada do PDT no Senado. Dos quatro senadores, somente Patrícia Saboya segue a cartilha do governo. E um deles, Senador Osmar Dias, é praticamente de oposição. Trata-se de um partido governista. Já o PR tem os mesmos quatro senadores e um histórico de fidelidade ao governo bem maior que a do PDT. Porém, dois senadores do PR votaram contra a CPMF. Evidentemente que os senadores César Borges e Expedito Júnior apresentaram justificativas para votarem contra, mas elas devem ser vistas com muitas reservas. O importante aqui é tirar as lições que possam ser aprendidas com as negociações nesses dois partidos.
No PDT, talvez por que já esperasse muita resistência, o governo negociou com a bancada por intermédio do partido uma maneira de mudarem de posição em prol da CPMF. O compromisso de tirar da DRU os recursos da educação, o que elevaria em 25% os recursos da União, foi suficiente para fornecer uma justificativa política para os Senadores Jefferson Pérez e Cristóvão Buarque engrossarem o bloco de apoio com a Senadora Patrícia Saboya. A bancada fechou em favor da CPMF, o que obrigou o Senador Osmar Dias a negociar. O governo precisou apenas oferecer-lhe uma explicação plausível para a mudança do voto, o compromisso de enviar uma reforma tributária para o Congresso.
No PR, que tradicionalmente vota com o governo, este não teve o mesmo carinho com a bancada. Não deveria aceitar como perdidos os votos dos senadores dissidentes. Até porque, eles próprios se apregoam governistas. O PR é um partido da base e possui cargos dentro do governo. Dever-se-ia ter procurado a intermediação do partido com os senadores para dar-lhes uma justificativa política para a mudarem de posição. O fato é que o governo não poderia de jeito nenhum aceitar a dissidência no PR, e pronto. Não venha justificar o voto do Senador César Borges por suposto medo do DEM pedir seu mandato de volta. O DEM só não entrará com recurso pedindo o seu mandato se souber que não ganhará. Qualquer chance real de reaver o mandato, o partido não vacilará nenhum minuto.
A mesma articulação política deveria ser realizada com o PTB, em que o senador Romeu Tuma votou contra o governo. A justificativa de que o senador votou contra por convicção não é palatável politicamente. E agora os políticos passaram a ter convicções. Políticos têm interesses. A mudança de voto do senador Pedro Simon é bom exemplo. Faltou conversa e uma boa dose de expertise política.
Ao se observar o painel, vê-se que faltaram somente três votos para a aprovação da CPMF, pois o Presidente do Senado, que era a favor, conforme o Regimento Interno, votaria na situação em que a decisão dependeria apenas do seu voto. A articulação com esses partidos da base aliada seria muito mais fácil que com a oposição. Não é possível entender porque o governo ignorou esses votos e centrou suas apostas na oposição. A margem de segurança do governo deveria ser buscada com uma melhor negociação com o PMDB. Os três senadores do PMDB que votaram contra a CPMF são de Estados em que os Executivos estaduais são adversários políticos. Esse é o principal motivo para a resistência. O governo deveria ter realizado uma negociação mais inteligente com o PMDB, envolvendo o presidente do partido, Michel Temer. Assim, o governo poderia ter conseguido que os senadores do PMDB fechassem questão a favor da CPMF, constrangendo os dissidentes com possível processo no partido. É uma negociação mais complicada, mas possível. Ser governo é isso, enfrentar os dissabores do poder, não só as suas benesses. Seria uma tarefa para o Michel Temer e os senadores aliados, que são a maioria.
O importante é observar como faltou a racionalidade política nessa votação. Um claro exemplo é o comportamento radical do PSOL. Como um partido com uma base social que se apóia na defesa de mais Estado, como poderia radicalizar-se tanto numa questão que interessa aos defensores do Estado mínimo. O governo ao propor um acréscimo significativo nas verbas para a saúde deveria ser capaz de fazerem mudar de posição. Isso porque a base social do PSOL tem forte viés nos dissidentes petistas antes ligados à tendência Democracia Socialista, bastante forte nos movimentos de trabalhadores (médicos, enfermeiros) defensores da saúde pública. Falhou o governo que não buscou um entendimento político com o PSOL em busca do seu único voto no Senado, atrelando a CPMF à elevação de verbas na saúde. Afinal, só faltaram três votos. Não ganhou nada o PSOL ao empunhar a bandeira do Estado mínimo, justamente aquilo que sua base social mais rejeita.

Em futuras votações importantes, espero que o governo tenha aprendido a lição. Não fique esperando que a oposição o salve. Ela pode até salvá-lo, mas não é esse seu papel. E se precisar da oposição para se salvar, já ficou demonstrado que o preço é bem elevado. A articulação política deve mudar, tornando menos individual, sendo conduzida mais com as verdadeiras lideranças nas respectivas casas legislativas. E também com os partidos. Já se percebe mudança para melhor na articulação política com o Ministro José Múcio. A negociação individual traz cada senador ou deputado para o balcão. E isso não é desejável. Nessa hora, pergunta-se por onde anda o tal conselho político. Alguns arranjos só existem para as fotos.