O passado de guerrilheiro de Fernando Gabeira é comum a algumas personalidades da esquerda brasileira. Petista e militante verde, acabou deixando o PT por divergências com o governo. A militância verde foi sendo substituída pela bandeira ética. Seu discurso passou a defender reformas no campo das relações políticas. Fora do PT, o deputado Gabeira tornou-se uma sensação da grande mídia. Se antes era visto com desconfiança, agora a mesma mídia abre os braços para o ex-guerrilheiro. O que mudou? A grande mídia ou Gabeira? Não há qualquer motivo para acreditar que seja a primeira opção.
A cruzada ética lhe deu o título de algoz do deputado Severino Cavalcanti, ex-presidente da Câmara dos Deputados. Gabeira tornava-se o político da moda, entrevistado por revistas e programas de televisão. A sua ida para o PV não tem nenhuma relação com qualquer divergência que ele possa ter da política ambiental do governo. Isso porque o PV não tem nada de verde. O partido nem tem idéia do que seja política ambiental: sua bancada é composta de deputados verdes de conveniência. Mas isso tem pouca importância política.
A candidatura de Gabeira à prefeitura do Rio de Janeiro com o apoio do PSDB e PPS completa o ciclo de sua inflexão à direita. É bem verdade que o deputado possa não ter espaço político para bancar um projeto nesse sentido na esquerda carioca. Mas é também verdade que o candidato Gabeira fez a opção à direita bem antes. A inflexão de Gabeira é natural na política. Políticos em geral sofrem de constantes metamorfoses. Na busca de seu espaço político, a direita passou a ser sua melhor opção. Gabeira, o ex-guerrilheiro petista, tornou-se então o candidato das elites (e também da Rede Globo).
O apoio do PSDB à candidatura do ex-guerrilheiro tem uma lógica política mais sofisticada. A entrada do partido na candidatura de Gabeira não tem relação com a possibilidade ou não de fazê-lo futuro prefeito do Rio. Uma vitória de Gabeira deverá deixar com o PSDB o controle dos principais postos da administração municipal (só quem não conhece a política acredita naquele discurso tecnicista do Gabeira). É verdade que Gabeira passaria a ser vidraça - juntamente com sua administração -, o que poderia não ser bom para o PSDB. Mas o partido tem mesmo são outras motivações políticas.
O PSDB quer é enquadrar o DEM, seu principal aliado na oposição política, tirando-lhe qualquer perspectiva real de poder. O DEM ficaria sem opções políticas em 2010, a não ser aliar incondicionalmente ao PSDB. A mesma coisa deve acontecer na eleição paulistana com o lançamento da candidatura Alckmin. Da mesma forma que o PT, o PSDB não quer no seu campo político aliados com condições de alçarem vôos sozinhos.
Além disso, parte importante do PSDB (Aécio à frente) entendeu que o partido precisa estabelecer novas pontes de diálogo, ou seja, outras frentes de batalha política. Se o diálogo do partido restringir-se ao DEM, poderá não sair vitorioso na eleição de 2010. Nesse sentido, a opção pela candidatura de Gabeira é uma forte sinalização. O próprio candidato entendeu o recado e mostrou-se disposto a dialogar com diversos partidos, independentemente da linha ideológica. A candidatura de Gabeira procura se distanciar do rótulo oposicionista, negando qualquer caráter oposicionista ao governo federal e estadual. Deseja-se para o Rio construir uma candidatura seguindo o modelo da chamada “cooperação administrativa” – união do governo local, estadual e federal - vigente na capital mineira sob a administração do petista Fernando Pimentel. É uma mudança significativa na administração municipal carioca, marcada por disputas políticas entre as diferentes esferas de governo.
Do ponto de vista de marketing, a campanha foi lançada com sucesso. Ainda mais com os apoios que obteve na grande mídia. É preciso, porém, avaliar os reflexos que a candidatura Gabeira deverá produzir na luta interna do PSDB. César Maia, prefeito do Rio, é um aliado de Serra no plano nacional. Embora o candidato Gabeira mostre disposição de agregar o seu grupo político à sua candidatura, ficou evidente que a escolha do PSDB de não lançar candidato representa um distanciamento do DEM. O prefeito rapidamente captou os movimentos do PSDB, e imediatamente distribui através do seu Ex-blog uma crítica mais forte ao partido. O presidente do DEM, Rodrigo Maia, filho de César Maia, em entrevista ao Blog do Josias de Souza, reclamou da postura do PSDB e flertou com a possibilidade de apoiar a candidatura de Ciro Gomes à Presidência.
Serra sai novamente enfraquecido. Para sua candidatura, o melhor é que o PSDB desse apoio às pretensões de César Maia, um aliado político dentro do DEM. Em São Paulo, a candidatura Alckmin provocará estragos no grupo político de Serra, mas é uma candidatura natural. No Rio, não há nada de natural no apoio do PSDB ao Gabeira. Apesar de ainda ser pouco visível, o baque na candidatura Serra é quase inevitável. Além disso, a articulação que produziu a candidatura de Gabeira parece ter as digitais do Palácio da Liberdade em Minas Gerais. Se Gabeira 2008 é bom para o Aécio, o mesmo não deve valer para o Serra. É a eterna briga interna do PSDB. Só que agora escalaram um ex-guerrilheiro para a trincheira.
Em nota: As elites também têm suas briguinhas. A verdade é que não há casamento perfeito, principalmente na política. As juras de amor não duram para sempre, pois o casamento é de conveniência. A diferença é que, ao contrário da esquerda, no final a reconciliação é a regra. E todos felizes até a próxima crise.
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