terça-feira, março 18, 2008

PT e PSDB: O debate em torno da convergência política

Na política, o mercado de opinião é vasto. Em certos momentos, a convergência de idéias e opiniões torna-se a regra. Mas é preciso tomar cuidado com os reducionismos. Atualmente virou moda entre os analistas políticos dizerem que não há qualquer diferença significativa entre PT e PSDB. Os dois partidos adotaram políticas de responsabilidade fiscal e avanços no campo social. Seriam irmãos gêmeos, separados no nascimento, mas pronto para se juntarem em algum momento. A política monetária bastante rígida dos governos Lula e FHC seria a simbologia da submissão deles ao capital financeiro, o que seria prova da convergência de idéias dos dois partidos. Também tenho divergências fortes com relação à política monetária praticada nos dois governos, porém o mundo é um pouco mais complexo. Nada é tão simples.

A maneira com que os partidos disputam espaços de poder relaciona-se com o chamado “mercado político”. A teoria do mercado político nos leva a questionar as teses reducionistas que classificam os partidos políticos. O sonho do PSDB é jogar o PT para bem à esquerda do espectro político, porque o partido sabe que a maioria do eleitorado está um pouco mais ao centro. O PT também acalenta o sonho de levar o PSDB para bem à direita, disputando espaços de poder com o DEM, por que assim pode formar um governo de maioria de centro esquerda e reinar sozinho. Nem o PT quer ir mais para a esquerda (embora alguns partidários desejam), nem o PSDB quer ser apenas um partido de direita (embora seja o desejo de alguns filiados). Os dois partidos resistem bravamente na disputa do centro do espectro político. É assim mesmo, na tentativa e erro que se consegue chegar ao famoso (e desejado) “eleitor mediano”, vencedor de todas as eleições.

O sonho que alimenta os dois partidos é ainda maior. Conquistar uma maioria formando um governo com o apoio do partido derrotado. Os métodos da política paulista não permitem a reconciliação política. Os políticos paulistas não contentam em vencer o outro lado, mas querem eliminar o adversário da cena política. Vencer torna-se uma questão de sobrevivência política. É só ver a disputa travada nos bastidores entre Serra x Alckmin em São Paulo. Os políticos mineiros por outro lado sempre deixam espaço para a negociação e, dessa maneira, curar as cicatrizes que as disputas eleitorais produzem no caminho. O objetivo é enfraquecer o adversário para negociar com ele numa posição de desvantagem no futuro. E assim construir o propalado “entendimento” à moda mineira. A convergência foi obtida por meio do “convencimento”, ou melhor, da vitória definitiva de um dos lados outrora opostos.

Quem um dia freqüentou aulas de estratégia sabe que nessa história há sempre um lado perdedor (e um vencedor). Imaginar um jogo em que os dois lados saem vitoriosos é mera ilusão. E o pior, se houve uma convergência entre os principais políticos (e um partido perdedor), o mercado político tornou-se menos competitivo. Menos competição no mercado político, maior estabilidade do centro do espectro político, menos alternativas reais de poder. A não ser que alguém me convença que bipartidarismo é bom (o que não acredito), não há porque festejar o resultado possível. Pode ser bom para os políticos, pode haver mais estabilidade política, menos escândalos, mas não quer dizer que é bom para a população em geral, principalmente para as classes sociais menos favorecidas. São elas que deverão experimentar o déficit de representação política provocado pela redução das alternativas políticas (no limite, o bipartidarismo). O melhor exemplo é os EUA de hoje, em que negros e latino-americanos são enormemente sub-representados na política. Imagem não é tudo. A Itália de Sílvio Berlusconni é uma evidência clara do paradoxo entre maior estabilidade política e poucos avanços nos campo social e econômico.

Mas será que a chamada convergência política entre PT e PSDB não aconteceu? A resposta correta é não. Se houvesse a tal convergência, a população teria escolhido o vencedor. E o perdedor por definição. Políticas públicas parecidas ou iguais não eliminam as diferenças desses partidos (e seus respectivos governos). Da mesma forma que há similaridades, existem também diferenças significativas no campo social e econômico. São essas diferenças que refletem os perfis distintos do eleitorado desses partidos. Os dois partidos tentam conquistar aquele “eleitor mediano”, mas este ainda não foi totalmente encontrado.

As diferenças não se restringem ao programa Bolsa Família, mas um conjunto maior de políticas públicas que influenciam o social e o econômico. As políticas de inclusão social do governo do PT são apenas a ponta do iceberg. Pode-se dizer que boa parte delas já existia, mas a concepção era bem diferente. O PRONAF é talvez o maior exemplo. Em vez de criar condições e oportunidades, o PRONAF da “era FHC” era apenas mais um produto bancário. Por esse motivo, nunca chegava aos pequenos agricultores de fato. Da mesma forma era o crédito educativo. É o “Deus Mercado”. O PSDB sempre acusa o governo do PT de um Estado gigantesco. Mas o problema não é apenas do tamanho do Estado, é também de forma. É preciso lembrar que até na política educacional o governo do PSDB estava retirando o Estado para dar lugar à iniciativa privada. A solução do PSDB para a educação brasileira consistiria em mais Mercado e menos Estado.

Nem precisa lembrar das diferenças na condução da política externa, pois já foram exaustivamente debatidas. O PSDB constantemente diz que o governo petista quer fazer grandes empresas nacionais, em sacrifício da competição (e do consumidor, por conseqüência). A solução para a melhoria da competição e do ambiente de negócios na visão do partido é maior presença de capital externo nas empresas brasileiras. A internacionalização da economia brasileira não se daria por meio das empresas nacionais, mas nas mãos do capital estrangeiro. É uma diferença significativa de concepção de país, a despeito de similaridades em determinadas políticas. Diferenças programáticas entre os dois partidos existem, e não são pequenas. A agenda política do PT e PSDB não é a mesma em definitivo. Se a agenda política é distinta, então não há o que se falar em convergência política. E também não haveria um único centro do espectro político.

A melhor definição de política que ouvi foi de um político mineiro, o ex-governador Magalhães Pinto: “a política é como as nuvens, muda o tempo todo”. A convergência entre os partidos PT e PSDB é um resultado que pode vir a acontecer. Porém, trata-se de futuridade. E quando acontecer significa que o eleitorado escolheu um vencedor (e um perdedor). Caso prevaleça à moda mineira de fazer política, a convergência deverá produzir a união das forças do PT e PSDB. Mas nunca nas mesmas condições de igualdade. O poder político precisa de lideranças. E, conseqüentemente, de liderados.

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